O "modo escola"

Frequentemente me ocorre que, em nossa sociedade contemporânea, a escola há muito tempo deixou de ser o lugar de aprender para converter-se simplesmente no lugar de formatar e moldar o sujeito para as regras do jogo.

No campo teórico, essa perspectiva foi levantada inicialmente por Marx e desenvolvida por seus seguidores, como Louis Althusser, para quem a escola figurava como um "Aparelho ideológico do Estado".

Entretanto, os tempos são outros e a complexidade do momento em que vivemos não se deixa apreender pelos dualismos (burguesia-proletariado; direita-esquerda) nem pelas já cansadas, mas sempre presentes, teorias da conspiração. Se a escola continua a moldar indivíduos para seus papeis sociais, ajudando a manter o status quo, isso certamente não é planejado por grandes vilões mal intencionados e seus planos diabólicos. Antes, tudo se passa de forma muito mais sutil e automática.

Aula após aula, matéria após matéria, sinal após sinal...Para boa parte dos alunos, trata-se apenas de uma burocracia a ser cumprida. Para boa parte dos professores, também. A escola talvez seja um dos espaços sociais em que a crise de nosso tempo se manifeste de forma mais evidente: o automatismo assume tamanha proporção que toda forma de resistência nem chega a caracterizar como subversão. Tentativas individuais de inovação tendem a se esvair em meio ao fluxo incessante de palavras e atividades cotidianas; se perdem no ruído do dia a dia.No ritmo diário da escola pública, uma personagem como a do professor Keating, em Sociedade dos poetas mortos, provavelmente seria bem menos sedutora para os alunos e menos perigosa para a ordem geral. Um excêntrico e nada mais.




Mas me parece que para compreender esse cenário de desinteresse generalizado é preciso agregar ao tema da alienação (para além da dimensão sociopolítica) um componente epistemológico, que vou chamar aqui de "modo escola".

Alunos na escola se comportam de um modo determinado. Dentro e fora de sala de aula suas mentes parecem entrar no "modo escola", que paradoxalmente fecha muitas das comportas de aprendizagem.  Basta vê-los em outros ambientes e são pessoas diferentes; a mente já não trabalha na mesma função. Este "modo escola" parece emergir da contínua repetição de uma só ação epistêmica: encontrar a resposta para perguntas predeterminadas; como naqueles jogos infantis de encaixar as peças.
 
 Os espaços já estão dados. Não há criação; só há adequação. É isso o que a escola tradicional espera dos alunos e é isso o que os alunos (se forem "bons alunos") darão à escola.
 

Não apenas alunos operam no modo escola, mas também professores, gestores e até mesmo os pais. Por isso mesmo, romper com este ciclo se torna muito difícil a partir de iniciativas isoladas.

 


Bem, isso não é novidade. Atualmente, além de grandes referências teóricas em Filosofia da Educação, até mesmo as propostas curriculares para o ensino escolar passam a exigir da educação um componente reflexivo-construtivo que se propõe a superar o modo escola. Porém, se exige do professor e do aluno aquilo que não se dá. No ritmo do sinal sonoro que marca as aulas, não há tempo para criar. Na prática, as "paradas pedagógicas" em uma escola tendem a ser consumidas por problemas administrativos, disciplinares e organizacionais; raramente chegam perto de se converter em um espaço de criação coletiva.

 Enfim, uma outra educação precisa desconstruir não só as figuras e o quadro que as encaixa, mas toda a brincadeira!

Comentários

  1. Triste mas real! um dia mudará! só não sei quando esse dia vai chegar. abraço Dante Cássio

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  2. Muito relevante sua avaliação realmente acrescentou uma visão diferente da minha... Obrigado por compartilhar seu entendimento... Estou estudando Educação Fisica tenhe deparado com as matérias da licenciatura e penso em lecionar paralelamente ao meu trabalho com musculação. Ficarei muito grato se vc continuar compartilhando suas considerações comigo . Deus te abençoe meu irmão!!

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  3. Muito embora muitos discordem eu ainda vejo como Marx e mais atualmente como Bourdieu, a escola ainda é a instituição de submissão por excelência e muito embora não seja mais o modelo da palmatória ainda assim segue violenta contra o indivíduo aluno, talvez com a violência turva, não fisicamente aplicada, mas talvez mais eficiente do que jamais foi. Falo do conceito de violência simbólica Boudieuniana que se evidência em cascata no aparelho "educacional". Primeiro pela condição a qual o professor é submetido. Mal pago e pessimamente atendido em suas reinvindicações ele colaba em casa onde não pode mais atender ao princípio básico em que foi treinado, o consumo, combalido pela falta de perspectivas de consumo ele fale moralmente, aqui falo de uma moral deturpada e manipulada pela classe dominante, mídia em geral e propaganda governista. Uma vez sem perspectivas, sem respeito, e agora vítima do preconceito social que só encherga o professor como coitado, ele carrega toda a sua frustração para o espaço da escola onde por mais que resista tem que adequar-se ao Habitus do campo onde mais uma vez fracassa como sujeito é se torna objeto das políticas educacionais que a cada novo mandato são trocadas, revistas e redwstruidas em nome de uma fórmula milagrosa que vai mudar tudo, mas que só faz mais do mesmo com outras cores. Ele fali como sujeito, como profissional e joga o jogo pra não ser destruído, pra não morrer sozinho. Pra não ser sozinho se "asozinha" nas espirais de silêncio e se cala. Diante dessa desgraça, desmonte social, o aluno é espectador de uma luta na qual não tem a menor importância, onde é apenas mais um pião nesse jogo de reis. Desculpe, mas nada vai mudar, o que pode sim é piorar se a nossa classe politica concluir seu plano de privatizar todo o ensino público...

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  4. De fato Klaudio, a palmatória foi substituída por outras formas de controle. A burocracia, de forma geral, é que impõe o ritmo e a disciplina tanto para professores como para alunos, bem como para dirigentes das escolas. Jogar o jogo é sim parte de negócio, mas não por isso se deixar adequar. Entendo seu pessimismo de que nada vai mudar, mas ainda compartilho de uma "estranha mania de ter fé na vida".

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