# 30 - Não há tempo para mudar




  Como um espelho da sociedade pós-moderna, a escola reflete o ritmo acelerado do cotidiano. Em primeiro plano, isso é sentido por alunos e professores através do próprio sinal sonoro que determina o que aprender a cada 45 minutos. Se, por um lado, o aluno precisa estar a disposto a mudar de objeto de aprendizagem a cada uma ou duas aulas, o professor precisa se acostumar ao fato de que, uma vez soado o sinal que indica o final da aula, todas as atenções se desligam automaticamente num ato de puro condicionamento operante.

  Mas para além deste ritmo de aprendizagem tenazmente definido pelo relógio, a escassez de tempo se mostra mais dramática na tarefa essencial de organização e planejamento de atividades escolares. Como tentei dizer no vídeo, a falta de tempo para planejar, implementar e acompanhar o andamento de diretrizes e projetos acaba por frustrar as boas intenções de tantos profissionais da educação. Enquanto equipe (professores, setor pedagógico e direção) tudo o que possamos pensar e sonhar juntos naquela semana inicial de planejamento vai se esmaecendo tão logo as aulas comecem e o sinal passe a bater de 45 em 45 minutos. A partir daí, na prática, é cada um por si com seus planejamentos e atitudes individuais. Com alguns anos de experiência na escola, vai ficando muito claro que toda inovação só pode acontecer na base do voluntariado, isto é, dedicando seu tempo particular para planejar e implementar mudanças.

  Costumo pensar que mesmo com os mais escassos recursos materiais e humanos, uma equipe que pudesse parar e se reunir semanalmente para observar o que está acontecendo, se inteirar dos fatos e planejar medidas certamente iria muito mais longe do que o que estamos conseguindo chegar ano após ano em nossas escolas.

  Indo um pouco além do vídeo, aprendi na prática que esta falta de tempo é também um dos fatores responsáveis por instaurar uma aguda contradição entre ideais e práticas; entre intenções e ações. Para explicar isso é preciso contar uma breve história.

  Durante os últimos quatro anos tive a oportunidade de contribuir com as atividades de planejamento de início de ano em minha escola. Através de algumas dinâmicas ligadas ao campo da ecoformação, e de outras atividades envolvendo vivências conseguimos de fato avançar ano a ano com o grupo de professores na construção de um diagnóstico crítico sobre a educação escolar e na construção compartilhada de um sonho de escola melhor. Boa parte das críticas à educação escolar apresentadas nestas três últimas postagens emergiam da reflexão dos professores a partir de um processo de sensibilização e diálogo. E junto com essa consciência, ia surgindo também um outro olhar sobre os alunos (para além do que as avaliações determinam) e algumas iniciativas particulares de mudança nas práticas em sala de aula. Porém, tão logo as aulas começavam para valer e o sinal passava a imperar novamente, estas coisas ficavam em segundo plano. E principalmente nos conselhos de classe, bimestre após bimestre, consolidava-se mais uma vez a visão classificatória dos alunos e a avaliação vazia do “aprendizado” medido por notas. 


   Houve aqueles que insistiram em tentar mudar sua metodologia e tentar quebrar o esquema quadrado de aulas expositivas → matéria no quadro → prova. Todos eles (eu inclusive), em algum momento, se viram extremamente desgastados por ter que implementar tais mudanças sem um tempo adequado de planejamento semanal, mas principalmente pela exigência de ter que chegar ao final do bimestre com as notas fechadas. Também a pouca cooperação dos alunos em apoiar (de verdade) iniciativas inovadoras é um tema a parte que talvez mereça uma postagem futura. 
Enfim, diante destas adversidades o resultado tendeu para o retorno rápido ao esquema convencional como garantia do trabalho mais tranquilo e, muitas vezes, da própria saúde. E aquela postura alernativa construída no início do ano (em relação aos alunos e às aulas) se mostrou completamente desfigurada no conselho de classe ao final do ano. No meu ver, quem estava reprovando ali éramos nós professores e nossa tentativa de mudar, embora pouco estivessem percebendo isso.

  Em resumo, faltou tempo para:

-planejar melhor as próprias atividades semana a semana

- observar com um pouco mais de calma o andamento destas atividades.

- dividir essas iniciativas com o grupo de colegas, recebendo apoio e sugestões

- avaliar a própria iniciativa e seus resultados, fazendo ajustes para um melhor desempenho futuro

   Deste modo, talvez a grande luta pela mudança na educação escolar não seja por mais livros e escolas mais bem equipadas, mas por mais tempo e liberdade para gerir o próprio tempo no espaço escolar. E cabe perguntar, como eu disse no final do vídeo: será que a sociedade da velocidade está pronta para tolerar esta freada em nome da qualidade no ensino?


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