Da série Bons trabalhos. Este para UA de Estética e História da Arte.
O caráter dialético na relação do conceito de belo com a arte
Enrique Zielinski Marinho
É óbvia, para
o senso comum, a relação entre os conceitos de belo e arte. Podemos perguntar à
não-artistas e leigos em filosofia estética se uma obra de arte, para ser
considerada com tal, deve ser bonita e, muito provavelmente, a resposta será um
inesitante sim. Contudo, persiste o debate entre artistas, filósofos e
cientistas sobre a definição do fenômeno do “belo” e qual sua relação com a
arte, que iniciou na antiguidade e ainda continua controvertido e sem consenso.
Um bom exemplo disto é a acalorada discussão no debate gravado em vídeo da
série Diálogos impertinentes da TV PUC de
São Paulo de 1996 sobre este tema. Estão presentes neste programa, como
debatedores, o filósofo e professor Celso Fernando Favaretto e o artista e
ensaísta Décio Pignatari. Como mediadores, estão presentes o professor Mario
Sérgio Cortella e o jornalista Caio Túlio Costa.
Logo no início
do programa, Favaretto (1996, 8m50s) expõe a tese de que, não é mais possível se
fazer uma estética na contemporaneidade tal qual a que se fazia no século XVIII.
Segundo ele, devido a um platonismo remitente que predomina no pensamento ocidental,
buscamos atingir um ideal universal de beleza que seja válido em todos os casos
nos quais ela se faz presente. Porém, em plena contemporaneidade, não podemos
mais legislar acerca de modelos universais de juízos estéticos, como faziam
alguns filósofos e pensadores da modernidade. Nas palavras de Pignatari (1996,
20m29s): “Então toda a vez a arte ou o belo (sic) tenta encontrar princípios,
postulados e axiomas que justifiquem a sua arte. Então é muito curioso que a
sucessão dos ´ismos´, transformou os artistas em pregadores, em estetas”. Deste
modo, podemos observar, de acordo com a fala de Pignatari, um caráter negativo
atribuído à relação do conceito de belo com a arte. Pois, ao utilizarmos
modelos, critérios e padrões de beleza que devem ser seguidos para definirmos o
que é arte, limitamos a capacidade de expressão criativa de artistas bem como
limitamos a nossa percepção acerca do que pode ser apreciado esteticamente.
Segundo Camargo (2013, p. 49-50):
A tradição filosófica sempre buscou
sublimar a arte e esterilizá-la de sua sensualidade inerente, metendo-lhe
ferrolhos conceituais na forma de cânones idealistas. Culpada pela sua
demasiada humanidade, portanto falível porque dependente da subjetividade, a
arte foi condenada a objetivar-se e perseguir o objetivo da verdade, como
departamento anexo ao pensamento sistemático (filosofia da arte – estética
tradicional).
Porém, ainda é
possível estabelecermos critérios objetivos, mas sem a pretensão de que estes
sejam universalmente aplicáveis, os quais justifiquem ou expliquem a
experiência estética contextos específicos. Também podemos observar
determinados padrões que se repetem e que justificam determinadas escolhas de
artistas na concepção de suas obras. Um destes critérios seria o conceito de arte
como mimesis. Este conceito foi
cunhado inicialmente por Platão na antiguidade grega e ele representa a ideia
da arte como imitação da natureza. Contudo, tal conceito não se aplica apenas à
arte, mas pode ser aplicado à outras criações humanas como a própria linguagem.
Ainda de acordo com Camargo (2013, p. 46): “Ora, então, além de Aristóteles,
também Platão aceitava o fato de que os discursos visam imitar as coisas que
representam – com a exceção de que para o platonismo as coisas que os discursos
imitam habitam o mundo das essências.” Sendo assim, se a arte de caráter
mimético visa representar as formas encontradas na natureza e; sendo que o
valor da representação é mensurado pela fidelidade do que é representado, logo
temos que o valor estético de “belo”, neste caso, é atribuído a uma determinada
obra devido ao seu grau de correspondência para com a realidade natural.
Apesar do fato
de que, nem toda a expressão artística se enquadra neste critério, este padrão
é facilmente encontrado em diversas culturas e épocas da história humana. De
acordo com a equipe de pesquisadores do Kurzgesagt (2018, 0m53s):
Através de nossa história a definição de
beleza mudou muito. Ideais foram alterados ou tornados em seus opostos. Mas,
além do gosto individual e contemporâneo, algumas coisas nunca saíram de moda;
a proporção áurea, simetria ou padrões fractais, que podem ser encontradas em
nossas artes e arquiteturas de culturas que datam do início (sic) até hoje. Os
seres humanos parecem ter um misterioso acordo sobre a beleza de algumas
coisas. Os padrões que continuam aparecendo são criados e nutridos pela
natureza.
Ou seja,
independente de qual seja a cultura e a época em que haja produção artística, é
alta a probabilidade de encontrarmos alguma expressão artística de caráter
mimético, fato que facilita o trabalho do esteta. Porém, ainda que haja
critérios válidos para emitirmos juízos estéticos sem limitar o trabalho
artístico, ainda não superamos a relação negativa entre os modelos e padrões
pré-estabelecidos de beleza e a atividade criativa do artista.
Contudo,
analisando com mais cuidado a história do pensamento estético, vemos que
mudanças no paradigma filosófico produzem impactos relevantes no campo da
produção artística de uma determinada época. Na transição entre o modo de
produção rural e o industrial, de acordo com que afirma Pignatari (1996,
14m12s), surge com Hegel, uma concepção estética pós-rural diferente do que
havia sido produzido até então. Ou seja, a filosofia hegeliana se tornou uma fonte de inspiração para as produções
artísticas influenciadas por suas ideias, assumindo assim, um caráter positivo.
Em
síntese, pode-se afirmar que existe uma relação dialética entre os conceitos de
beleza produzidos pela cultura e pela filosofia estética e a produção artística
de uma determina época. Por vezes, as ideias produzidas no campo filosófico são
fonte de inspiração para produção trabalhos originais e, em outros casos, estas
mesmas ideias produzem modelos e critérios demasiadamente rígidos ou idealistas
que limitam a capacidade de expressão e compreensão de uma cultura. Ainda
assim, neste processo dialético de construção e destruição de conceitos,
algumas concepções de beleza são preservadas como no caso das produções
artísticas de caráter mimético.
Referências
Bibliográficas:
O BELO. Diálogos Impertinentes. São Paulo:
TV PUC, 28 de maio de 1996. Programa de TV. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bAeWI4xHpw4>
acesso em 24 mai. 2019.
KURZGESAGT – IN A NUTSHELL. Por que as coisas bonitas nos fazem felizes? – A beleza explicada.
2018. (7m36s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-O5kNPlUV7w>.
Acesso em: 25 mai. 2018.
CAMARGO, Marcos H. O conceito como mimesis e a verdade da arte.
Travessias,
Cascavel, Vol. 7, nº 2, p. 39-52, 2013. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/270276960_O_CONCEITO_COMO_MIMESIS_E_A_VERDADE_DA_ARTE>.
Acesso em: 25 mai 2018.
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