Outra das Boas escritas de 2019-2
ARTE CONTEMPORÂNEA: UMA QUESTÃO POLÍTICA
OU UMA CRISE PRÓPRIA DE NOSSO TEMPO?
Por Fernando Alves Montanari
Este texto se presta a sintetizar os pontos mais relevantes sobre
um dado objeto, sendo esse delimitado pelo período contemporâneo e, mais
especificamente, à arte que vigora nessa época e, por isso, salvo melhor juízo,
as palavras que cumpram fielmente esse papel sejam aquelas que remetem à
aceleração da vida hodierna e à postura de massificação e multiplicidade que
ela ostenta, intimamente ligadas à: subjetividade, liberdade, cultura popular,
liquefação, etc. Dentre outros, a análise desses pontos é de fundamental
importância para entender as características da arte contemporânea não só sob
viés expositivo, como também às críticas que daí proveem, nem sempre construtivas.
Em caminho inverso, iniciemos pela crítica.
Nessa esteira a obra de Eduardo Subirats deve ser aqui mencionada,
tal como delineia a entrevista que deu nos idos de 2005 à Silvia Carcamo,
afirmando que o centro da mesma
[...] é a crítica filosófica
e cultural. É a "teoria crítica" (...). Crítica filosófica que se tem
articulado sobretudo em torno de questões epistemológicas (El alma y la
muerte), culturais (La cultura como espectáculo) e estéticas (Linterna mágica).
Mas, ao mesmo tempo, sempre me debati com a realidade imediata que me rodeava:
o mundo cultural espanhol, a deriva da Europa neoliberal e pós-moderna, a crise
sustentada da América Latina[...]
(CARCAMO, 2005, p. 154).
Só por estas palavras pode-se referir que o que sobreleva no
pensamento desse espanhol perpassa, além da capacidade de julgar (kritiké), a visão da “regressão perigosa à atitude antiintelectual
dos velhos fascismos” (MEDEIROS, 2007), e “a crítica ao colonialismo e aos projetos de dominação que propõem o
despojo das culturas como estratégia de destruição dos povos”, sob o
argumento que, por detrás das artes contemporâneas, estaria a Igreja Católica e
o conservadorismo norte americano, com suas “banalização midiática da cultura e a persistência de políticas
coloniais e racistas dentro das Américas” (CARCAMO, 2005, p. 154).
O fato é que, escamoteado sob o manto da crítica e, de certa forma,
negado pelo próprio Subirats[1],
talvez devido ao seu exagero, está sua angústia política que vem associada à
ideia de embate com um certo “poder
cultural” que impede as pessoas de nosso tempo questionarem o modelo posto
e recusarem uma possível transformação social e cultural. No mesmo sentido,
Frederico Morais, de maneira mais explícita, faz a junção da crise hodierna
(chamada de vanguarda) com a crise política, quando o assunto é arte,
devidamente identificado e resumido da seguinte maneira:
[...] Depois de explicar o
projeto da vanguarda artística brasileira, Morais
aponta sua crise por causa das circunstâncias políticas do País e, por
conseguinte, pela entrada do mercado como baliza de reordenamento da produção
artística brasileira nos anos de 1970 em diante. Há pelo menos dois sentidos
atribuídos por Morais ao termo crise, a saber: por um lado, o termo refere-se
ao processo de inviabilização do projeto moderno brasileiro com a crise do
desenvolvimentismo que levou juntamente consigo os anseios depositados na
potencialidade transformadora da arte moderna autônoma de cepa construtiva; por
outro, a crise da vanguarda brasileira faz referência à falta cada vez mais
generalizada de liberdade para a produção artística e à desestruturação do
sistema das artes plásticas no Brasil (exílio da crítica, perseguição dos
artistas, descrédito nas novas ocupações das instituições e dos museus, etc.)
em detrimento do incentivo das atividades ligadas ao principiante mercado de
arte local. [...] (MARI, 2012, p. 424 - negritei).
Seja como for, a arte contemporânea existe como tal. E para que
fique claro seu delineamento, uma de suas abalizas é a dos
[...] meios de comunicação de
massa [que] cresceram
vertiginosamente, graças às novas tecnologias. Uma das marcas desta época e que
vem sendo cada vez mais sentida é o processo de individualização.
À medida que surgiam as novas linguagens
artísticas, elas foram incorporando as novidades tecnológicas e agregando cada
vez mais imagens, textos, objetos e performances.
Hoje, já acontece a realização de obras
pela internet em espaço e tempo real. Nelas, os participantes entram e dão sua
contribuição em tempo real. Terminada a obra, ela desaparece, quebrando, assim,
uma das regularidades da arte, que é a noção de permanência [...] (PEREIRA, 2011, p. 140).
O avanço tecnológico, portanto, é um importante marco da
contemporaneidade, até mesmo pelo próprio meio de comunicação em massa que
vivemos e sentimos nos dias de hoje, sem grande ligação política (pelo menos,
com o velho discurso de fascismo, resistência e etc. – talvez com ligação mais
clara com meios de produção e, consequentemente, com a própria economia).
O que resta claro atualmente é uma crise inventiva, própria do
momento de tensão que vivemos em todos os planos de nossa existência, pois o
que consideramos arte nos dias atuais, tirante a questão do desenvolvimento
tecnológico e comunicação em massa, é na verdade uma junção de tudo que se viu
no último século como: o impressionismo (e o pós-impressionismo), o fauvismo, o
cubismo, o surrealismo, o dadaísmo, o expressionismo abstrato, bastando
mencionar, por exemplo, quanto a este último, a artista brasileira Regiane
Martinez[2],
em que a liberdade abstrata vem à tona (“Minha
arte é livre. Através dela expresso emoções e sentimentos, sem limites”),
revelando emoções com uso de cores e formas que reclamam atenção para
compreensão:
Através de uma análise filosófica
marcada no indivíduo contemporâneo, pode-se afirmar que ele apresenta um “comportamento flexível que lhe trouxe o
sucesso [e que] está enfraquecendo
seu caráter de um modo para o qual não há remédio prático” (SENNETT, p. 33), tendo em vista que está
mais preocupado com a resolução dos problemas que experimenta (sua eficácia) do
que com a construção da moral (sua existência e validade)[3] e,
por via de consequência, isso se reflete na arte, mas, ao que parece e salvo
melhor juízo, sem qualquer embasamento político.
A politização de tudo que
existe no mundo atual parece ser uma maldita sina que enfraquece o humano e seu
potencial filosófico, pois se a filosofia tem por bem, além do papel de
encadear o pensamento de forma regrada (através do “amor pelo saber”), o
encargo de estruturar e alterar a vida (ensinar/estimular a reflexão), é na
pós-modernidade, salvo melhor juízo, que podemos dizer que ela alçou uma
importância alta para o ser humano (uma saída possível).
Se conseguirmos olhar para o
grande quadro da situação, deixando mais o individual para pensarmos na
comunidade que formamos nesse planeta, talvez cheguemos a uma “certa paz intelectual”
que a Filosofia é capaz de garantir em um terreno ávido pelo arar reflexivo e
pelo amor à sabedoria, inclusive no que tange à arte, que pode ser vista para
agregar e não para politicamente separar. Contrário disso, ao invés de
responder problematizando o indivíduo pós-moderno, bastava afirmar: o indivíduo
pós-moderno é um problema em si, para si, para todos e para o orbe, sem solução
aparente e com todas as soluções possíveis, inclusive na arte que expressa
contemporaneamente.
REFERÊNCIAS
CARCAMO, Silvia. Eduardo Subirats. Alea, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p.
149-158, June 2005. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-106X2005000100010&lng=en&nrm=iso>.
Acesso aos 15 nov 2019.
MARI, Marcelo. Frederico Morais e A
crise da vanguarda no Brasil (1960-70). Anais
do VIII EHA - Encontro de História da Arte, Unicamp, 2012.
MARTINEZ, Regiane. Disponível em:
<https://artluv.net/artista/regiane-martinez/> Acesso aos 15 nov 2019.
MEDEIROS, Jotabê. É preciso reavivar a civilização. O
Estado de S. Paulo, 11/11/2007. Disponível em: < http://www.filosofia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=37>. Acesso aos 15 nov 2019.
PEREIRA, Lucésia. História da arte: livro didático. Design instrucional Gabriele
Greggersen. 1. ed. rev., Palhoça: UnisulVirtual, 2011.
PONDÉ, Luiz Felipe. Zygmunt Bauman e a Pós-Modernidade, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Xb3_AOOSVOM, acesso aos 29/07/2019.
SALLES, Instituto Moreira. Eduardo Subirats - Artepensamento.
Disponível em: < https://artepensamento.com.br/autor/eduardo-subirats/>.
Acesso aos 15 nov 2019.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. Tradução de Marcos Santarrita. 13 ed., Rio
de Janeiro e São Paulo: Editora Record, 2008.
[1] Em entrevista para Jotabê Medeiros,
Subirats pondera, após a pergunta formulada para analisar a questão das elites
na América Latina, que: “O que distingue
intelectualmente uma elite não é o poder político ou institucional da classe
que seja. O poder institucional define a burocracia, o intelectual orgânico ou
a estrela literária. O que distingue uma elite intelectual em um sentido
estrito não é o poder político, mas a capacidade de desenvolver uma crítica, de
criar uma forma de ver, de pensar e de ser, reside na força reformadora e
transformadora das linguagens e a consciência de uma sociedade. Nesse sentido,
hoje vivemos em uma era antielitista, um antielitismo que se crê democrático,
mas na realidade recolhe o pior da herança antiintelectual dos velhos
fascismos. Vivemos em uma era na qual o papel educador e orientador dessas
elites intelectuais tem sido tomado e monopolizado pelo burocrata acadêmico,
pela estrela da mídia, pelo agente editorial, pelo administrador político”.
Em outro texto (SALLES, Artepensamento),
que busca enaltecer a vida do Autor sob comento, lê-se que Eduardo “lutou contra a polícia militar fascista, de
que escapou, indo para Paris e Berlim, onde se formou”.
Talvez, por esse trágico período de sua vida, a que estamos
todos sujeitos no mundo atual e no Brasil, Subirats sustente esse pensamento
crítico que visa, em grande parte e pela leitura efetuada, atacar a cultura e,
subliminarmente, a política por detrás das obras de arte.
[2] MARTINEZ, Regiane. Disponível em: <https://artluv.net/artista/regiane-martinez/> Acesso aos 15 nov 2019, onde se
pode ler: “Através de um gestual muito
presente e de cores que se fundem e se harmonizam com primazia, a liberdade é
constantemente explorada nos trabalhos da artista Re Martinez.
A liberdade como forma de
expressão social, de conflitos internos vivenciados pela artista, ou mesmo de
transpor seus próprios limites. Liberdade de viver sua essência, a verdade em
sua totalidade e consequentemente a felicidade.
Toda essa expressão é
sensível em suas obras. Existe uma busca natural e intuitiva pela harmonia e
beleza. A presença do equilíbrio, de forma leve e jovial. E o poder de
transformar a vida das pessoas através do belo.
Sua pesquisa se
desenvolveu até aqui em diversas experiências com materiais de desenho,
cerâmica, colagem e diferentes técnicas de pintura em superfícies distintas.
Regiane é formada em
pedagogia, e desde sempre se interessou por arte nas suas mais variadas formas.
Cursos de design, técnicas de pintura, cerâmica, arte contemporânea, realizados
ao longo dos anos, aliados a sua sensibilidade e ao seu lado criativo abriram
seus horizontes para algo que já estava em sua essência. Há alguns anos vêm se
dedicando exclusivamente à sua arte, o que considera um privilégio.
Participou de coletivas em
Genebra (2018)e Barcelona, 2019; Design Weekend – Inn Gallery, 2018; Happy Art
Parade, 2018; Made - exposição de arte e design no Pavilhão da Bienal em São
Paulo, 2018; exibição virtual realizada por In the studio – Moma,NY, 2018; finalista
do concurso Reflexão Arte Hoje em 2017; exposições em galerias de São Paulo e
interior.”
[3] Essa ideia final do parágrafo
(existência, validade e eficácia) está fulcrada nos dizeres de Luiz Felipe
Pondé, em palestra intitulada "Zygmunt
Bauman e a Pós-Modernidade", disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Xb3_AOOSVOM>, acesso aos 29/07/2019.
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