Série Boas produções - Textos filosóficos modernos e contemporâneos - 2020b

Textos do acadêmico Hugo Lanz Costa                           

 Abaixo, exponho a passagem sob a qual serão produzidos os dois textos conforme proposto para esta atividade, ou seja, um texto explicando e outro comentando esta mesma passagem que, por sua vez, é composta pelos dois aforismos selecionados a partir da obra Novum Organum de Francis Bacon. Os dois aforismos selecionados são o XIX e o XX que, conforme a seguir, os reproduzo:

Aforismo XIX:

 

Só há e só pode haver duas vias para a investigação e para a descoberta da verdade. Uma, que consiste no saltar-se das sensações e das coisas particulares aos axiomas mais gerais e, a seguir, descobrirem-se os axiomas intermediários a partir desses princípios e de sua inamovível verdade. Esta é a que ora se segue. A outra, que recolhe os axiomas dos dados dos sentidos e particulares, ascendendo contínua e gradualmente até alcançar, em último lugar, os princípios de máxima generalidade. Este é o verdadeiro caminho, porém ainda não instaurado.

 

Aforismo XX:

 

Na primeira das vias o intelecto deixado a si mesmo acompanha e se fia nas forças da dialética. Pois a mente anseia por ascender aos princípios mais gerais para aí então se deter. A seguir, desdenha a experiência. E tais males são incrementados pela dialética, na pompa de suas disputas.

 

EXPLICAÇÃO:

 

 O Caminho Verdadeiro

 

                        Os aforismos XIX e XX sustentam que a indução empírica é o único método válido para se alcançar o Conhecimento efetivo e verdadeiro das duas alternativas possíveis. Os dois aforismos são assertivos ao trabalharem sobre as duas possibilidades para a investigação e descoberta da verdade. Comparam essas duas vias e ainda expõem, mesmo que de modo implícito, a subjacente distorção propiciada pelos enganos e o seu potencial alcance, já que muitos destes eram amplamente aceitos como verdades. Desta forma, os aforismos XIX e XX, da obra baconiana “Novum Organum”, revelam-se como um contraponto ao que se praticava e aceitava-se como meio para a concepção da verdade sobre fenômenos, fatos e ideias de até então, cujo período corresponde ao final do século XVI e início do XVII. (MARQUES e SELL, 2015)

                        Percebe-se, antes de tudo, que logo ao início do aforismo XIX é evidenciada a constatação das mencionadas duas vias para a descoberta da verdade. Uma via baseada nas sensações e sentidos como fundamentos suficientes às concepções acerca das verdades gerais e a outra, ainda que se baseie nos sentidos, faz, porém, uso destes obediente a um gradualismo ascendente e sob o signo da experimentação e seus paradigmas metodológicos, onde a reiteração dos casos particulares sob estrita observância empírica subsidiam os axiomas gerais.

                        O sentido de “verdadeiro caminho”, conforme expressão empregada ao final do aforismo XIX, não oferece margem à dúvida quanto à eleição da base empírico-indutiva como a alternativa a ser promovida em direção a toda e qualquer iniciativa para a investigação e descoberta da verdade. Ocorre, ainda, ao final do mesmo aforismo XIX, a explícita ideia acerca do quanto ainda há que ser estabelecido tal método ao constar sentenciado: “(...) porém ainda não instaurado.”. Cabe ressaltar inclusive, o aspecto de contraponto ao recurso dialético para o alcance da verdade, por justamente a dialética carecer da experimentação, de uma fundamentação comprovada de modo inequívoco, com base em fatos e fenômenos empiricamente verificados. Evidencia-se a dialética pautando-se única e exclusivamente sob a lógica da livre articulação do intelecto.

                        O aforismo XX é determinante quanto à inconsistência do método dialético em contraposição ao do empírico. Ressalta a tendência do próprio intelecto em se aferrar às certezas mesmo quando não comprovadas com base no experimento. Os sentidos satisfazem as investigações da verdade e, nisso, o aforismo XX tece crítica correlacionada à dialética, pois a aponta como meio que se exaure em si mesmo e que, por sua vez, ainda exalta os enganos através das disputas que promove ou enseja. Estas noções são reforçadas pelas duas últimas sentenças deste aforismo, como “(...) A seguir, desdenha a experiência.” e ainda “E tais males são incrementados pela dialética, na pompa de suas disputas.”.  Um outro aspecto interessante a ser igualmente observado é o fato de ser apontada ainda mais uma outra suposta tendência do intelecto conforme o mesmo aforismo XX sentencia: “Pois a mente anseia por ascender aos princípios mais gerais para aí então se deter.”. Eis apenas um dos pilares à constatação sobre a digressão da verdade com que a dialética distorce a realidade, propiciando o ciclo concatenado de meros enganos, sacrificando antes de tudo, a própria verdade.               

                        Por todo o exposto, resta-nos perceptível, portanto, ser a passagem selecionada constituída sob um corpo de texto composto por dois aforismos que provocam a reflexão acerca das duas vias sinalizadas para uma efetiva concepção da verdade, estabelecendo a substituição de uma em detrimento da outra. Os dois aforismos conduzem à importância de se ater a um processo empírico como lastro ao Conhecimento. A Verdade é apontada, portanto, como vinculada a um método gradual e ascendente ao axioma geral, de observação rigorosa dos fenômenos com base em experimentos. Assim, o percurso empírico indutivo é exposto como o único capaz de fundamentar Leis ou postulados a partir dos pressupostos aqui já analisados, bem como da reiteração dos fenômenos particulares correspondentes, sustentando os axiomas gerais e confirmando-os.

 

Referências:

 

1)    MARQUES, Carlos Euclides e SELL, Sérgio. Textos filosóficos modernos e contemporâneos : livro didático. 2. ed. rev. e ampl. / por Carlos Euclides Marques – Palhoça : UnisulVirtual, 2015;

 

2)    HENRY, John. Knowledge is Power. Cambridge : Icon Books/Totem Books. USA, 2002;

 

3)    FOLSCHEID, D.; WUNENBURGER, J. Metodologia filosófica – Tradução Paulo Neves. – 3. ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2006. Disponível em : https://drive.google.com/file/d/0BwoC795HIzdhMTU0ZjA3Y2MtM2RmZi00ZjQ2LWJmMmEtMmFlN2I1YWE2NzY4/view?pref=2&pli=1 (acessado em 18/09/2020).

                       

                       

COMENTÁRIO:

 

Novo Paradigma do Conhecimento

 

                        Os aforismos XIX e XX da obra baconiana “Novum Organum” analisam a eficácia das duas vias concebidas como as únicas alternativas de investigação e descoberta da verdade. Esta passagem transmite um dos eixos centrais postos em questão por Bacon nesta obra, qual seja, um método que assegure o Conhecimento, cuja condição sine qua non para tal, seja a verdade. Os dois aforismos em questão trazem em seu bojo um contraponto e questionamento frontal ao que se praticava ou aceitava-se à época para o Conhecimento ou para as concepções sobre a realidade, tanto em seus fenômenos, quanto em ideias. (MARQUES e SELL, 2015, pp. 10 – 16) O final do século XVI e início do XVII correspondem ao período a que esta obra se insere e, por isso, contamos com elementos que corroboram para uma melhor dimensão sobre o seu aspecto revolucionário.

                        Os dois aforismos em questão apontam à necessidade da verdade ser verificada, testada e submetida à experimentação para ser alçada, sob gradual ascendência, à qualidade de axioma geral. Assim, verdades fruto apenas da atividade do intelecto, como ocorre com a dialética, Bacon não só não se conforma, mas como questiona inclusive a herança dos antigos e traz à luz a amplitude de um horizonte a ser ainda sedimentado.

                        Bacon compartilha com Aristóteles de que o Conhecimento se funda às causas, porém sem prever o conceito aristotélico de causa final. (GHIRALDELLI, 2010, p. 116) Foi um crítico de Platão e Aristóteles, assim como o foi dos filósofos medievais e escolásticos e do método dedutivo “diminuído” por eles, uma vez que os escolásticos partiam de dogmas como verdades universais, sem verificação alguma portanto, apenas dogmas como axiomas gerais para então fazerem valer as coisas particulares e, desta forma, preservando o poder da Igreja por séculos. Percebe-se que a crise de autoridade da Igreja com o Protestantismo abriu espaço às fontes alternativas de conhecimento e, diante de um movimento crescente em toda a Europa em seguida, chamado Humanismo, Francis Bacon surge e, encontrando ressonância para as suas ideias, contribui sobremaneira às mudanças de muitos dos paradigmas até então prevalecentes sobre a relação para com o Conhecimento e a realidade. (MARQUES e SELL, 2015, pp. 12 - 16)

                        Conhecimento e poder eram a mesma coisa para Bacon, o poder no sentido de controlar a realidade. Assim, este pensador mapeou os enganos e erros, transmutou a dialética ou certezas advindas de meras abstrações, bem como contrariou as premissas de um método escolástico sem lastro e sem expressão alguma, pois apesar de adotarem o método dedutivo aristotélico, por silogismos, estes eram mero detalhe diante da falta de resultados práticos, o que por fim e ainda valia, eram efetivamente as abstrações de cunho dogmático. (GHIRALDELLI, 2010, p. 117)             

                        Por tudo isso, Bacon propõe uma nova relação para com os saberes a fim de propiciar uma metodologia capaz de oferecer conhecimento seguro e sob parâmetros que concebessem a continuidade e acúmulo dos saberes. (HENRY, 2002)

                        A obra Novum Organum está inserida em uma outra obra inacabada, conhecida como Instauratio Magna, percebe-se a procura de Francis Bacon por conhecimento seguro, um ceticismo moderno, de cunho prático e deste, a ciência ocupa papel central. (GHIRALDELLI, 2010, p. 120) A filosofia abarcava também o que atualmente denominamos por “Ciência” e, assim, a tecnologia foi absorvida por este pensador como elemento catalisador de grandes mudanças e, desta análise, o próprio Bacon conclui que vivia um período revolucionário. (GHIRALDELLI, 2010, p. 116)

                        Desta forma e por todo o exposto, temos os aforismos XIX e XX referenciando ou ensejando a exposição central da obra a que se inserem, traçando o pano de fundo por onde o Novum Organum desenvolverá uma tipificação dos enganos, além de introduzir a proposta metodológica indutivo-empirista de Francis Bacon, sedimentando portanto, o percurso que despontaria posteriormente a outros nomes de peso para toda a Humanidade, tais como Descartes, Locke, Espinosa, Berkeley entre outros célebres que tanto contribuíram ao desenvolvimento do pensamento moderno e da própria ciência.

 

Referências:

 

1)    GHIRALDELLI Jr., Paulo. A aventura da filosofiade Parmênides a Nietzsche. Barueri, SP : Manole, 2010;

 

2)    HENRY, John. Knowledge is Power. Cambridge : Icon Books/Totem Books. USA, 2002;

 

3)    MARQUES, Carlos Euclides e SELL, Sérgio. Textos filosóficos modernos e contemporâneos : livro didático. 2. ed. rev. e ampl. / por Carlos Euclides Marques – Palhoça : UnisulVirtual, 2015;

 

4)    FOLSCHEID, D.; WUNENBURGER, J. Metodologia filosófica – Tradução Paulo Neves. – 3. ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2006. Disponível em : https://drive.google.com/file/d/0BwoC795HIzdhMTU0ZjA3Y2MtM2RmZi00ZjQ2LWJmMmEtMmFlN2I1YWE2NzY4/view?pref=2&pli=1 (acessado em 18/09/2020).   

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