Sërie Boas Práticas - UA Reflexões sobre o Homem na Filosofia - Geraldo Alves dos Santos Júnior
A
teoria do conhecimento e visões antropológico-filosóficas
Geraldo Alves
dos Santos Júnior
É
fundamental o entendimento de nossa essência, ou seja, uma reflexão sobre nós
próprios não como uma individualidade e sim o significado do “Ser”, o
conhecimento da essência do homem. Procurando o entendimento da situação do
homem no mundo, e assim, compreendendo as coisas que sente, pensa e as
situações em que vive (NESI; MARQUES, 2018). Este é o papel da Antropologia
Filosófica, que, através do método filosófico procura realizar o estudo do
homem, “pela reflexão
radical, rigorosa e de conjunto acerca das características fundamentais,
essenciais e existenciais do ser humano enquanto tal, destacado dos demais
seres pela autoconsciência e pelo uso que faz da razão” (NESI; MARQUES, 2018).
E esta tarefa de entender o que é o homem, motivou muitos filósofos, que, de
diferentes aspectos abordaram esta questão e, a concepção de homem que cada
linha de pensamento aborda, irá, de certa forma, influenciar o entendimento da
maneira pela qual o homem adquire o conhecimento. Uma questão que ganhou
relevância entre os filósofos da Grécia antiga. Platão e Aristóteles, em suas
obras, lançaram as bases dos princípios que norteiam as concepções de
conhecimentos que temos hoje.
A Teoria do Conhecimento é a
disciplina que tem como objetivo responder à questão o que significa conhecer
e, podemos definir o conhecimento como o ato de entender, compreender, apreender
algo por meio da experiência ou do raciocínio. No processo de conhecer
há a relação entre dois polos, a do sujeito, aquele que possui capacidade
cognitiva, e a do objeto, o que é apreendido e transformado em conceito
(QUERIQUELLI; LEONEL; MARQUES, 2016).
A relação entre
os dois elementos é uma relação recíproca (correlação). O sujeito só é
sujeito para um objeto e o objeto só é objeto para um sujeito. Ambos são o que
são apenas na medida em que o são um para o outro. Essa correlação, porém, não
é reversível. Ser sujeito é algo completamente diverso de ser objeto. A função
do sujeito é apreender o objeto; a função do objeto é ser apreensível e ser
aprendido pelo sujeito (HESSEN,
2012, 20).
Desta forma, vemos que o conhecimento é uma relação do sujeito com
o objeto. Essa relação nos traz a questão sobre a possibilidade do
conhecimento, se o sujeito terá realmente a capacidade de apreensão do objeto.
A outra questão com a qual nos deparamos é com a estrutura dualista do sujeito,
ou seja, o homem é concebido como um ser espiritual e sensível (HESSEN, 2012).
Sendo que, a fonte de conhecimento “do primeiro é a razão; a do segundo, a
experiência. Pergunta-se, então, qual é a principal fonte em que a consciência
cognoscente vai buscar seus conteúdos. A fonte e o fundamento do conhecimento
humano é a razão ou a experiência? Essa é a questão sobre a origem do
conhecimento” (HESSEN, 2012, 27).
Chamamos de racionalismo o
pensamento que enxerga na razão a única forma que o ser humano tem para chegar
a conhecimentos verdadeiros. Os filósofos racionalistas entendem que os
sentidos não são confiáveis, pois, podem fornecer conhecimentos enganosos sobre
a realidade e defendem que as ideias são inatas, ou seja, já nascemos com elas.
E somente através da razão, pelo pensamento reflexivo é que podemos alcançar
estas ideias (BEDUKA, 2021).
O racionalismo
remonta à antiguidade clássica, tendo como origem distante a teoria platônica
das ideias. Segundo essa teoria, a forma fundamental de realidade está
nas ideias (ou formas) das coisas. Estas seriam abstratas e fixas, em
contraposição às realidades aparentes, materiais e transitórias que são
captadas pelos sentidos. No entanto, os filósofos que se destacam neste campo
de discussão surgiram no contexto do Renascimento e da Idade Moderna. Alguns
deles são: René Descartes, Baruch Spinoza e Gottfried Leibniz (BEDUKA,
2021, p. 01).
René Descartes foi o filósofo que lançou as bases modernas do
pensamento racionalista. Com o “cogito, ergo sum”, ele fundamenta todo o seu
sistema racionalista e inaugura o subjetivismo moderno. Não se trata de apenas
uma constatação, é o sujeito que toma conhecimento de si mesmo e assim, garante
a sua existência (SILVA, 2014). “Então, quando se refere ao homem, a evidência
do cogito o faz ser uma res cogitans, ou seja, uma substância
pensante. E por isso, podemos afirmar que o homem é substância pensante, ou o
homem é pensamento. ...a noção de res
cogitans deve nos remeter à noção de alma” (SILVA, 2014, p. 01). Na
concepção de Descartes, o corpo, a res extensa, não passa de de
autômato, que recebe comandos da alma e
que, assim como a natureza, podem ser entendidos a partir do
desvelamento das leis naturais (SILVA, 2014).
A alma humana é a
própria razão que por sua vez, é capaz de desvelar os mecanismos do mundo,
desde que caminhe por um método seguro de pensar. Neste caso, portanto, o
próprio ato de pensar só alcança a verdade se for submetido a uma técnica, a
saber, as regras de um método (SEIXAS, 2015, p. 71).
Em contraponto ao racionalismo, o empirismo (de empeiría,
experiência) apregoa que a experiência é a única fonte de conhecimento e o
filósofo inglês John Locke (1632 – 1704) foi o principal
expoente. Para ele, “o que distingue o homem é o trabalho de seu corpo e a obra
de suas mãos, cujo produto, incorporado ao Estado, lhe oferece uma propriedade.
O indivíduo e Deus são os únicos soberanos na sociedade. Nela, o indivíduo
encontra sua autonomia no isolamento de sua vida privada” (CÉSAR, 2015, p. 1).
John
Locke prega que as experiências são, então, os sentidos e sensações.
Cada um dos sentidos é responsável por levar informações para o cérebro. Um bom
exemplo é o que diz que, quando alguém nasce, não sabe o que é uma maçã. Na
verdade, a ideia do que é essa fruta é criada a partir dos sentidos.
Habilidades visuais indicam cor e forma, o olfato explicita seu aroma, o
paladar mostra o sabor. A partir desse raciocínio, Locke deduz que as ideias de
uma pessoa são, na verdade, um reflexo daquilo que se experimenta.
Para ele, as pessoas são como folhas em branco ao nascer e
seus sentidos e experiências serão os responsáveis por preencher esse vazio.
...até mesmo antecipou algumas críticas ao seu pensamento,
como forma de defendê-lo. Contra o argumento de que as pessoas são capazes de
conceber ideias nunca antes experimentadas, como seres mitológicos, religiosos
e fantasiosos, o filósofo contrapõe que esse tipo de ideia é, na verdade, a
junção de outras já experimentadas (STOODI, 2020, p. 01).
O
homem em Immanuel Kant é conceituado como tendo dupla natureza, ou seja, como
“cidadãos de dois mundos”, desta forma, como um ser dotado de razão e vontade
passa a considerar a si mesmo sob dois pontos vistas: como pertencente ao mundo
sensível sob leis naturais (heteronomia); e simultaneamente como habitante do
mundo inteligível sob leis fundamentadas unicamente na razão prática
(autonomia) (UTTEICH;BICALHO, 2000). No mundo sensível é condicionado por ele e
nele age, se encontra inserido em seu contexto vital e tendo que nele se
orientar e se construir como pessoa.
Neste mundo, o homem se diferencia por produzir a si mesmo no sentido em que
pode se aperfeiçoar a partir de objetivos
a si propostos (OLIVEIRA, 1978). “Ele é um ser, que tem a possibilidade
de chegar à razão, isto é, de tornar-se, realmente, racional. …A humanização do
homem significa a saída do mundo fenomenal e descoberta da liberdade, como
subjetividade pura” (OLIVEIRA, 1978, p. 134 e 136). “É somente quando o sujeito
se concebe como livre, isto é, quando age unicamente pelo pressuposto de
liberdade (porque reconhece o princípio da autonomia da vontade) se transpõe ao
mundo inteligível, se tornando membro deste mundo” (UTTEICH;BICALHO, 2000, p.
16). Nesta concepção de homem como “cidadãos de dois mundos”, o ser humano não
é somente sensível ou inteligível, não pertence somente a um ou outro mundo. A
capacidade de experienciar simultaneamente os dois mundos, e assim, estar
sujeito às determinações empíricas das leis da natureza no mundo sensível e ao
mundo inteligível pela ideia de liberdade da vontade (UTTEICH;BICALHO, 2000), é
somente “através da faculdade da razão pura prática o sujeito se considera
livre das inclinações e impulsos sensíveis e se deixa determinar unicamente
pela lei moral deduzida pelo principio da liberdade” (UTTEICH;BICALHO, 2000, p.
17).
Tendo em vista como Kant tece a concepção de homem, na questão
sobre a origem do conhecimento, ele procurou uma mediação entre o racionalismo
e o empirismo, que ficou conhecida como criticismo. Para ele, o material do
conhecimento provem da experiência e a forma provém do pensamento. “Com o
material, tem-se em vista as sensações. Elas são completamente desprovidas de
determinação e de ordem, apresentam-se como um puro caos. Nosso pensamento
produz ordem nesse caos na medida em que conecta os conteúdos sensíveis uns aos
outros e faz com que eles se relacionem” (HESSEN, 2012, p. 63).
A experiência é o
momento em que o sujeito atinge sensivelmente o objeto e intui a sua
existência. Ela é fundamental para o conhecimento, nutre o entendimento e
provoca a imaginação e as operações mentais do sujeito. De modo geral, o
conhecimento começa com a experiência. …A participação do sujeito é fundamental
no processo do conhecimento, visto que as categorias de análise da realidade,
pelas quais ela se torna conhecida, estão no sujeito, são forjadas em sua
mente, que é abastecida pelo mundo percebido por meio dos sentidos
(QUERIQUELLI; LEONEL; MARQUES, 2016, p. 36).
Conforme vimos, a teoria do conhecimento terá uma relação com o
conceito de homem defendido por seu teórico e este conceito, varia de acordo
com o seu tempo histórico e as doutrinas que se encontra subordinado. Desta
forma, percebemos que “a reflexão em que a antropologia filosófica é pautada
está além da estrutura biológica do ser humano. A análise da antropologia
filosófica está centrada no ser humano e também em seu horizonte natural”
(COSTA, 2013, p. 161).
Referências
CÉSAR, Leandro. Antropologia
filosófica: a concepção do homem na história do Ocidente. 2015. Disponível
em: https://professorleandrocesar.blogspot.com/2015/03/antropologia-filosofica-concepcao-do.html.
Acesso em: 22/06/2022.
COSTA, Lorena Luciana Brandão. A
concepção de homem e as crises
históricas em Jacob Burckhard: uma reflexão. Revista de Teoria da História Ano 5, Número 9, jul/2013.
Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/download/29082/16175/122546.
Acesso em: 21/06/2022.
BEDUKA. O que é racionalismo?
2021. Disponível em: https://beduka.com/blog/materias/racionalismo/.
Acesso em: 16/06/2022.
HESSEN, Joannes. Teoria do
conhecimento. -3ª ed. - Editora WMF
Martins Fontes, 2012.
NESI, Maria Juliani; MARQUES, Carlos Euclides. Reflexão sobre o homem na
filosofia: livro didático – 1. ed. atual. – Palhoça : UnisulVirtual, 2018.
OLIVEIRA,
Manfredo Araújo de. A antropologia na
filosofia de Kant. 1978. Rev.
De C. Sociais, vol. IX . Disponível em: https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/10545/1/1978_art_maoliveira.pdf.
Acesso em: 18/06/2022.
QUERIQUELLI, Luiz Henrique; LEONEL, Vilson; MARQUES,
Carlos Euclides. Teoria do conhecimento: livro didático – Palhoça:
UnisulVirtual, 2016.
SANTOS, Marcos Pereira dos. A teoria do
conhecimento em John Locke (1632-1704) na Idade Moderna dos séculos XV a XVIII:
uma abordagem psicoantropológico-filosófica. 2016. Disponível em: https://professornews.com.br/utilidades/artigos/8784-a-teoria-do-conhecimento-em-john-locke-1632-1704-na-idade-moderna-dos-seculos-xv-a-xviii-uma-abordagem-psicoantropologico-filosofica.html.
Acesso em: 17/06/2022.
SEIXAS, Mariana de Macêdo. A técnica e o homem: cartesianismos e seus desdobramentos na
modernidade. 2015. Revista de Encontros com a Filosofia. Ano III,
n. V, 2015 (jun). Disponível em: https://periodicos.uff.br/enfil/article/download/44317/25291/149216.
Acesso em: 17/06/2022.
SILVA, Bruno dos Santos. A “res cogitans” no
pensamento de René Descartes. 2014. Disponível em: https://pensamentoextemporaneo.com.br/?p=2610.
Acesso em: 16/06/2022.
STOODI. Empirismo: o que é, filósofos e diferenças
com o racionalismo! 2020. Disponível em: https://www.stoodi.com.br/blog/filosofia/empirismo/.
Acesso em: 17/06/2022.
UTTEICH, Luciano Carlos; BICALHO, Vanessa Brun, IMMANUEL KANT: considerações sobre a teoria do
homem como “cidadão de dois mundos”. Tempo da Ciência, [S. l.], v. 18, n. 36, p. 9–20, 2000.
DOI: 10.48075/rtc.v18i36.9039. Disponível em:
https://e-revista.unioeste.br/index.php/tempodaciencia/article/view/9039.
Acesso em: 18 jun. 2022.
Comentários
Postar um comentário