Arbitrariedades institucionais




   A docência não se faz somente dentro de sala de aula. O encontro diário entre educador e educandos é a ponta final de um processo bem maior que envolve estudo, preparação, criatividade e reflexão crítica sobre a própria prática. Nas palavras de Paulo Freire: "A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer." (Pedagogia da Autonomia, 1.8)


Obviamente, boa parte dessa tarefa se faz fora da escola, juntamente com correções de provas, formulações de avaliações e toda a burocracia de notas, faltas e registros de conteúdos. Isso para não falar no planejamento conjunto das atividades da escola como um todo, como dias festivos, projetos, feira de ciências, etc.


É por isso que se pode afirmar que há uma especificidade no trabalho do professor, a partir da qual se considera que 1/3 de sua jornada de trabalho deva ser destinada a atividades extra-classe. Isso é lei (Lei n° 11.738/2008) e há uma tabela que determina, a partir da duração total da jornada de trabalho, quanto se deve cumprir em interação com os estudantes e quanto é destinado a atividades extra-classe. Veja abaixo um trecho da tabela, que determina a carga horária da 20 hs aula.



*A segunda coluna destaca o tempo de interação com os estudantes e a terceira o tempo destinado a atividades extra-classe.








Agora saiamos um pouco do honroso solo das leis em direção à realidade da escola pública. Veja o que aconteceu comigo neste ano de 2017 (vídeo abaixo):






Enfim, só estando no cotidiano da escola pública para vislumbrar com mais clareza a demagogia dos discursos públicos quando se fala em qualidade de educação.  A este respeito são bem esclarecedoras as conclusões do parecer do conselho nacional de educação (Reexame do Parecer CNE/CEB no 9/2012, que trata da implantação da Lei no 11.738/2008,):
Nos dias atuais, a organização e a gestão do processo educativo, nas escolas, estão permeados pelos métodos gerenciais próprios da empresa privada, capitalista, na qual os trabalhadores são organizados por funções repetitivas e sequenciais, sem que qualquer um deles domine todo o processo produtivo.

Nas escolas públicas, hoje, embora muito se fale no trabalho coletivo e na valorização do trabalho do professor, há uma tendência a se reproduzir o mesmo modelo, no qual cada professor é considerado como uma das peças do processo. Assim, ele não pode inserir-se plenamente no processo, participando da definição das políticas, com condições de tempo, espaço e estrutura para interagir com seus pares e apropriar-se de seu próprio trabalho para realizar integralmente sua função social, que não é apenas a de transmitir o saber historicamente acumulado, mas, também produzir novos conhecimentos e formar sujeitos conscientes, capazes de atuar de forma plena na sociedade.


Mas apesar de tudo isso, esse não é um texto para colocar toda a culpa nos atores diretamente envolvidos. Olhando mais acuradamente, a gerência de ensino atende às demandas da Secretaria da Educação, esta, por sua vez, atende às demandas do Governo do Estado. E, ultimamente, tais demandas podem ser resumir a uma só ordem: cortes de "gastos". E enquanto a educação continuar a ser vista como despesa, e não como investimento, o Brasil segue como está...

Comentários

  1. Eis mais um exemplo da diferença entre discurso e prática característico, infelizmente, da maioria de nossos políticos.

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