Como ensino filosofia? # 24 - Feeling




  Saber manter uma plateia atenta ao seu discurso é uma habilidade que pode ser desenvolvida por meio de diversas técnicas. É claro que o desafio aumenta quando se trata de 25 a 30 jovens que não necessariamente estão interessados no que você tem a dizer, ou mesmo compartilham das mesmas regras de bom comportamento que você julga adequadas! Mas quando me refiro a um certo feeling, uma intuição sobre os níveis de atenção e interesse de um grupo de pessoas com quem se interage, estou falando sobre algo mais do que boa oratória ou ferramentas de programação neurolinguística. Me refiro a uma espécie de percepção e atenção constante ao “astral” do grupo, isto é, ao somatório das energias dos indivíduos envolvidos na conversa.

  É um pouco difícil de explicar, mas enquanto vou encaminhando uma fala em sala de aula consigo ir observando uma média de quantos alunos estão atentos e como eles vão reagindo ao que está sendo dito. Até aí, nada mais do que a boa observação das expressões faciais e corporais. Entretanto, para além dessa evidência observável parece que há algo mais… uma percepção sutil do imaginário coletivo que vai se construindo como reação às minhas palavras. E isso já não é uma coisa que se vê (com os olhos), mas algo que se pode sentir de uma outra forma. O que sustenta este meu ponto de vista, é o fato de que não é possível acompanhar visualmente, a cada momento, as reações comportamentais de todos numa sala. Embora um ou outro indivíduos possam estar atuando como referências mais marcantes, a percepção é do todo e vai se transformando conforme o andamento do discurso.

  Um exemplo concreto pode ser o de quando conseguimos perceber em uma audiência um forte impulso de discordância ao que se está dizendo. É claro que essa percepção está ligada às expressões faciais e comportamentais dos indivíduos; mas parece ser algo mais abrangente. Há quem diga que este impulso pode, inclusive, ir se disseminando entre o grupo. Mas aí já vamos entrando no campo da psicologia transpessoal, que desconheço para falar qualquer coisa com base.

  Enfim, tentei mostrar no vídeo como este feeling me parece ser algo muito útil para e educação em geral e mais especificamente para as aulas de filosofia. Se nosso objetivo é trabalhar com ideias, é acolher a dúvida, a contradição e a inquietação do pensamento como instrumentos para ajudar a pensar mais e melhor, então a habilidade de “sentir” o coletivo pode ajudar bastante. E não se trata de algum dom ou natureza mediúnica. O que se faz necessária é a escuta atenta e aberta para aceitar, a cada momento, os feedbacks do grupo e seguir adaptando o caminho de sua fala levando em conta este dado. Isso envolve, ao mesmo tempo, percepção e improviso.

  Assim, se você se interessa em interagir mais efetivamente com seus alunos e afinar o seu feeling, algumas coisas podem ajudar:

1 – Desconstruir em sua mente a ideia de que todos os ouvintes escutam e interpretam exatamente o que você quer dizer. Chamei isso em um post anterior de “a ilusão da mensagem unívoca”.

2 – Falar à sua audiência (seja uma sala de aula, uma palestra ou uma dinâmica de grupo) como quem conversa, não como quem lê um discurso. Busque nos olhos daqueles que estão te ouvindo a reação às suas palavras.

3 – Deixar de ignorar aquela percepção que surge quando se diz algo e parece que as pessoas não entenderam. Muitas vezes é mais prático ignorar este feedback e seguir adiante, mas o resultado é apenas o aumento da sua indiferença e da capacidade de sentir; ou seja, o contrário de feeling.

4 – Habitue-se a “trocar em miúdos” aquilo que está tentando dizer. É na tentativa de falar de novo aquilo que se está dizendo, mas com outras palavras, que é possível ir sentindo mais as reações de concordância/discordância e desentendimento sobre o que está sendo dito. Com o tempo pegamos prática em perceber tais reações e ir balizando nosso discurso por elas.


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