Resenha da série Boas produções (2019-b)
ASPECTOS DA ANÁLISE DA OBRA DE ARTE EM ERWIN PANOFSKY
Denis Netto Duque da Silva[1]
PANOFSKY,
Erwin. Iconografia e iconologia: uma introdução ao estudo da Arte da
Renascença. In: ______. Significado nas artes visuais. Trad. Maria Clara
F. Kneese e J. Guinsburg. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. cap. 1, p. 47-87.
Erwin Panofsky, autor de origem alemã, foi um historiador da
arte e crítico sendo, dentro dos estudos acadêmicos em iconografia[2],
um dos nomes mais importantes daquilo que se chama método iconológico.
O texto em referência se trata de um artigo (que compõe um livro
de autoria do mesmo escritor) onde se fará breve estudo iconográfico e
iconológico acerca da arte renascentista. Ao longo de suas quarenta páginas, divididas
em duas seções, o autor fará, primeiramente, o estabelecimento de alguns
conceitos, isto é, uma espécie de inventário de algumas definições, as quais
servirão de base para as análises que serão levadas a efeito em obras renascentistas na
segunda seção. Dessa forma, não só é dado, ao leitor, um instrumental teórico
capaz de analisar obras de arte circunscritas àquele período histórico (Renascença),
mas a arte de todo e qualquer período.
Pois bem, o historiador da arte em comento inicia sua
exposição esclarecendo o que seja iconografia, a saber, uma área da história
da arte que se ocupa do tema ou significado da obra (PANOFSKY,
1991), ou seja, quando se faz uma análise iconográfica, se está indo além da simples
percepção da forma da obra, que seria seu padrão de “cores, linhas e
volumes, [...]” (PANOFSKY, 1991, p. 48), enfim, todo o aspecto meramente sensível,
perceptível da obra. Tal distinção é levada a efeito pelo autor logo no início
de seu artigo que, talvez por questões didáticas, a apresenta mediante estudo
de um exemplo de uma situação cotidiana (um amigo cumprimentando outro com o
gesto de tirar o chapéu), exemplo este que servirá de pano de fundo, não só
para um aprofundamento teórico, como para a apresentação de outros conceitos
necessários à análise de cena/obra de arte[3].
Seguindo com o exemplo do cumprimento entre amigos, Panofsky expõe que, ultrapassada
a mera percepção dos aspectos formais daquela situação do cumprimento,
adentra-se, propriamente no estudo iconográfico, cuja primeira camada seria aquela
do tema ou mensagem, camada esta que se apreende “pela simples
identificação de certas formas visíveis com certos objetos que já conheço por
experiência prática” (PANOFSKY, 1991, p. 48), o que o autor chamará de significado
factual.
Ao se olhar mais detidamente para aquela cena do
cumprimento, ainda na camada mais superficial da mensagem, porém indo em seu
limite, pode-se perceber aspectos psicológicos que emanam do sujeito que
cumprimenta, em suma, não se trata, agora, de alguma coisa que seja identificável
por simples visualização, mas agora se trata de algo dependente da empatia do
observador (PANOFSKY, 1991), conquanto ainda mantenha relação com a experiência
sensível daquele que observa; a isso o autor chamará de significação
expressional que, juntamente com a significação factual,
compreenderá “a classe dos significados primários ou naturais” (PANOFSKY, 1991,
p. 48).
Saindo do âmbito do sensível, do fenomenológico (onde se
encaixam os significados primários ou naturais – compostos pelos significados
factuais e pelos significados expressionais) e partindo para um âmbito inteligível,
o observador chega ao chamado significado secundário ou convencional, em
que é preciso “não somente estar familiarizado com o mundo prático dos objetos
e fatos, mas, além disso, com o mundo mais do que prático dos costumes e
tradições culturais peculiares a uma dada civilização” (PANOFSKY, 1991, p.
48-49). Além disso, na análise iconográfica, é necessário o observador, estar
atento aos aspectos sócio históricos da cena/obra que ele observa, isto é, faz-se
necessário olhá-la levando em conta, “[...] época nacionalidade, classe social,
tradições intelectuais e assim por diante” (PANOFSKY, 1991, p. 49), em suma, é
a personalidade da cena/obra (PANOFSKY, 1991) dessa forma chega-se ao significado
intrínseco ou de conteúdo que, diferentemente dos significados anteriormente
falados, é essencial, e não fenomênico (PANOFSKY, 1991).
Na sequência do artigo, o historiador da arte pegará esses
elementos explicados através de uma situação cotidiana (um amigo cumprimentando
o outro) e transporá para a análise de uma obra de arte. Nessa empreitada, o
autor fará o aprofundamento dos conceitos anteriormente mencionados,
estabelecendo que o significado primário ou natural (composto pelos
significados factual e expressional), seria “mundo dos motivos artísticos” (PANOFSKY,
1991, p. 50) e que o significado secundário (ou convencional), sendo composto
de um conjunto de motivos artísticos (composições), chama-se imagem
da obra, e as combinações de imagens, por sua vez, dão origem ao que se denomina
estórias ou alegorias da obra. A partir desse momento, o artigo
pode aclarar ainda mais a definição de iconografia, sendo esta um estudo
que tem por objetivo identificar imagens, histórias e alegorias das obras (PANOFSKY,
1991).
Ainda na análise acerca da obra de arte, se o observador
for além de um procedimento unicamente descritivo no que concerne às “formas
puras, os motivos, as imagens, estórias e alegorias [...]” (PANOFSKY, 1991, p.
52), que são seus valores simbólicos – o que culmina na análise
iconográfica (PANOFSKY, 1991) – e se ativer a interpretar aqueles valores
simbólicos, ter-se-á a chamada iconologia. Assim, chega o autor ao ápice
de seu estudo sobre a obra de arte, podendo propor a forma completa de se analisá-la,
que se subdividiria em três etapas: descrição pré-iconográgica (circunscrita
aos limites do mundo dos motivos da obra), análise iconográfica
(que se ocupa das imagens, estórias e alegorias da obra) e
interpretação iconológica (que, no limite, é um aspecto predominantemente
interpretativo, subjetivo acerca da obra de arte).
Dando sequência, o autor menciona alguns fatores de
correção para as três etapas de análise de uma obra de arte[4]
mencionadas acima. Uma vez estabelecida a base teórica para análise da obra de
arte, Panofsky pode agora conduzir seu leitor para uma análise mais específica,
e é exatamente o que faz na última parte de seu artigo, circunscrevendo o
estudo a algumas obras de arte pertencentes ao período renascentista.
Pois bem, feita esta breve apresentação do artigo em
análise, posso dizer que se trata de uma interessante construção de material
teórico para se analisar uma obra de arte enquanto algo compreensível pelo
discurso racional, o que seria uma das maneiras de se contribuir para a existência
da própria arte, já que “não existe um objeto artístico, se não for reconhecido
como tal, pelos sujeitos e grupos socias de uma determinada cultura” (PEREIRA,
2011, p. 26), sendo, um desses sujeitos, justamente os acadêmicos (PEREIRA, 2011),
grupo em que se encontra, tanto o autor do artigo, quanto o público para quem ele
escreve.
Inobstante, outra questão que denota a importância do texto
em análise é o fato de, ao fornecer uma base, um referencial para que se possa
chamar algo de obra de arte, pode se tornar uma ferramenta que tendente a contribuir
para o esclarecimento popular, dado que o desconhecimento e a intolerância de
uma parcela da população tem causado situações de censura à arte, como bem
retrata o insigne caso da exposição Queermuseu – Cartografias da
Diferença na Arte Brasileira em Porto Alegre, onde a pressão exercida pelo
senso comum, alegando que o material ali exposto não se tratava de arte – em
uma clara demonstração de desconhecimento do que pode ser caracterizado como
arte, misturado a um preconceito, justamente porque o significado das mesmas abordava
questões “[...]LGBT, questões de gênero e de diversidade sexual” (MENDONÇA,
2017) – acabou fazendo a exposição se encerrar.
Ademais, olhando o artigo em comento por uma perspectiva ampla,
não se pode deixar de mencionar também um aspecto negativo que poderia ser gerado
em um leitor menos atento, isto é, como no artigo o autor trata apenas de uma
metodologia para a compreensão da arte pelo discurso racional, aquele leitor desapercebido pode sair com a impressão de que tal compreensão da obra
de arte (pelo discurso racional) seria a única maneira de se entendê-la, o que
esbarraria na crítica de alguns autores no sentido de que “a arte sequer pode ser
compreendida pelo discurso racional, pois as palavras reduzem seu significado, que
somente pode ser apreendido pelos sentidos” (PEREIRA, 2011, p. 24).
Por fim, impende mencionar que o artigo em questão se
mostra muito útil e interessante para filósofos, historiadores da arte e todos
aqueles que tencionam uma compreensão racional sobre a obra de arte.
REFERÊNCIAS:
MENDONÇA, Heloísa. Queermuseu:
O dia em que a intolerância pegou uma exposição para Cristo. 2017. Disponível
em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/11/politica/1505164425_555164.html
>. Acesso em: 21 out. 2019.
PEREIRA, Lucésia. História da
arte: livro didático. 1. ed. rev. Palhoça: UnisulVirtual, 2011.
SANTOS, Carlos Alberto Ávila. Alegoria,
iconografia e iconologia: diferentes usos e significados dos termos na história
da arte. XIII seminário de história da arte, Pelotas, n. 4, out. 2014. Disponível em: < https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Arte/issue/view/330
>. Acesso em: 21 out. 2019.
[1] Estudante
do curso de Filosofia da Unisul.
[2] “No
final do século XIX, o verbete ‘iconografia’ foi definido por Mâle como um processo
descritivo para identificar íconos [sic] e símbolos talhados na pedra e
adoçados às caixas murais das catedrais góticas da França. Esses bens integrados
à arquitetura – estátuas e relevos – foram criados em paralelo à escolástica,
tal como a concebeu a fé cristã da Idade Média. Na metade do século XX,
Panofsky empregou as palavras ‘iconografia’ e ‘iconologia’ como etapas de um
método para a leitura e interpretação das criações visuais figurativas. Relacionando-as
com o contexto social, geográfico e temporal nas quais foram produzidas.” (SANTOS,
2014).
[3] Chamo
aqui de “cena/obra”, porque, conquanto o exemplo inicial dado pelo autor em seu
artigo se refira ao estudo de uma cena (onde um amigo saúda outro retirando seu
chapéu), tal estudo serve, da mesma forma, para o enfrentamento, para a
compreensão de uma obra de arte, como ficará claro em momentos ulteriores do
artigo.
[4]
Como a história dos estilos, história dos tipos e história dos
sintomas culturais.
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