Série- Boas Práticas - Reflexões sobre o Homem na Filosofia (2022-a) - Acadêmico: Hugo Cesar Bueno Nunes
O LOBO DA ESTEPE – UMA AVENTURA NA CONDIÇÃO HUMANA
Hugo Cesar Bueno Nunes
Este texto parte de uma obra que marcou
minha vida e tantos outros jovens. O Lobo da Estepe de Herman
Hesse, é algo admirável, avassalador, que nos tira da condição de “normalidade”
da qual muitas das vezes nos encontramos, vivendo neste mundo. Porém, o intuito
não é descrever tal romance, muito menos realizar uma resenha dele, mas sim,
buscar nas entrelinhas desta obra literária uma possível conexão com a visão de
homem que subjaz o conhecimento filosófico.
Escrito
em 1927, a obra traz a história de Harry Heller, um burguês intelectual que
viveu no século XX em constante embate com a vida da sociedade burguesa, da
qual ele fazia parte, porém, a compreendia como limitada, miserável, uma vida
indigna de ser vivida, desprezava o mundo em que vivia e as pessoas que nele
habitavam, podemos afirmar que o personagem está em uma constante busca por
entender a si mesmo. Para ilustrar ao leitor, cito abaixo uma pequena passagem
da obra em que Harry compartilha sua angústia.
Não entendo nem compartilho essas alegrias, embora
estejam ao meu alcance, pelas quais milhares de outros tanto anseiam. Por outro
lado, o que se passa comigo nos meus raros momentos de júbilo, aquilo que para
mim é felicidade e vida e êxtase e exaltação, procura-o o mundo em geral nas
obras de ficção; na vida parece-lhe absurdo... [...] sou, na verdade, o Lobo da
Estepe, como digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra
abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível
(HESSE, 1969, p. 26).
Podemos
dizer que a obra traz diferentes perspectivas da condição do homem no mundo,
nos levando a pensar o sentido da vida em uma sociedade moderna, assim como,
afirmam NESI; MARQUES (2018) ao descreverem a concepção de Schopenhauer, onde
este entendia que a consciência é um estado de dor e sofrimento. “O que se vê
no pensamento de Schopenhauer é um pessimismo que remete a um niilismo e a uma
condição trágica do ser humano, que produz conhecimento científico, artístico e
moral como formas de iludir a essencialidade da vida: o sofrimento” (p. 101).
Como podemos notar, esta primeira
faceta do personagem de Harry pode ser aproximada de umas das características
que Schopenhauer disfere sobre o mundo, ou seja, como uma completa
irracionalidade, o qual não se encaminha para lugar nenhum, nem melhor nem
pior, apenas se modifica devorando e consumindo a si mesmo. Desta forma, o
homem perde sua proteção e se encontra nu em um mundo indiferente e até mesmo
cruel. Schopenhauer usa a Razão para mostrar a irracionalidade do mundo. Somos
marionetes, pouco podemos fazer além de seguir com toda a prudência e procurar
abrigo sempre que possível (RAZÃO INADEQUADA, s/d).
Ao
mesmo tempo que temos o questionamento da vida, e esta, vista como sofrimento
perene, Harry em um determinado momento, se vê frente a uma prostituta chamada
Hermínia, a qual lhe faz uma proposta, qual seja, ensinará Harry a vida de alegria
e, em contrapartida, ele deverá matá-la. Neste momento, Harry se adentra ao “Teatro
Mágico” o qual vai experienciar momentos únicos e livres da moralidade que
acorrenta sua vida burguesa.
A
partir deste ponto, a dupla personalidade do personagem se faz presente, em
constante combate interior, homem x lobo, e com isso, percebe que sua vida é
uma miríade de pluralidade. Neste aspecto, Nietzsche se faz presente para
balizar a vida que vale a pena ser vivida. Nas palavras de Harry “assim, pois,
se um homem se aventura a converter numa dualidade a pretendida unidade do eu,
se não é um gênio, é em todo caso uma rara e interessante exceção. Mas na
realidade não há uma unidade, mas um mundo plural, um pequeno firmamento, um
caos de formas, de matizes de situações, de heranças e possibilidade” (HESSE,
1969, p. 55).
Neste
aspecto aproximamos a condição humana da segunda faceta apresentada por Harry
aos escritos de Nietzsche, o qual compreende o homem como um ser aberto a
diferentes possibilidades e experiências, como Harry experimentou ao entrar no
“Teatro Mágico”. É neste teatro com diversas portas com letreiros
luminosos que Harry se aventura em pensar uma vida outra, uma vida que vai além
de um racionalismo puro. Como podemos ver em um dos cartões encontrados por
Harry em determinada passagem o qual dizia “Hoje a partir das quatro no teatro
mágico só para loucos – entrada ao preço da razão” (p. 148). Avançando mais
temos um “Guia para a formação da personalidade – êxito garantido”, uma porta
no teatro mágico que tem a figura de um jogador de xadrez que convida Harry
para jogar. Desta feita, segue o diálogo travado por eles o qual Nietzsche com
certeza ficaria orgulhoso.
O falso e infeliz conceito de que o homem seja uma
unidade duradoura já é conhecido pelo senhor. Também já sabe que o homem é
formado por um número incalculável de almas, por uma multidão de egos. Dividir
a unidade aparente do indivíduo nessas numerosas figuras é algo que passa por
loucura; a ciência encontrou para esse fenômeno a designação de esquizofrenia.
A ciência está certa, até certo ponto, quando afirma que nenhuma pluralidade
pode conduzir-se sem uma direção, sem uma certa ordem e agrupamento. Mas, por
outra lado, não tem razão ao imaginar ser possível somente uma ordenação única,
encadeadora, perpétua, para a multiplicidade dos egos subordinados. Esse erro
da ciência acarreta consequências desagradáveis; [...] aqui demonstramos aos
que experimentaram a destruição de seu próprio eu, que podem a qualquer
instante reordenar os fragmentos e com isso conseguir uma variedade infinita no
jogo da vida (HESSE, 1969, p.174).
Como
afirmam NISE; MARQUES (2018) quando abordam o conceito de super-homem de Nietzsche
a partir do personagem Zaratustra, ele anuncia ao povo a decadência da
civilização e a necessidade do surgimento de uma nova era. É o homem em busca
de sua vontade de potência, para liberar seus desejos e impulsos, e assim,
romper com as grades da ilusão que o aprisiona. O homem é apenas uma passagem
que leva ao super-homem. Este sim, um novo homem, nobre e altivo, diferente do
homem mediano, fraco, moralista.
Assim,
que Harry se sentiu ao experimentar a vida sob outro prisma, depois de
assassinar Hermínia e cumprir com seu pacto, ele também, experimentou a vida e
dormiu por um ano inteiro, e em suas palavras sentenciou: “Oh! Agora
compreendia tudo. [...] ter em meu bolso centenas de milhares de figurinhas do
jogo da vida, suspeitava emocionado o sentido, tinha a intenção de iniciar de
novo o jogo, de voltar a estremecer diante de seus desatinos, de voltar a
percorrer o inferno do meu interior, não uma vez, mas sempre” (p.197).
Compreendemos
que a concepção de homem nietzschiana e o conceito de eterno retorno, se fazem
presente após a experiência do personagem Harry na obra o Lobo da Estepe.
Outras possibilidades de conexões podemos inferir quando temos no início da obra
a luta entre a personalidade de Harry x Lobo, a concepção de id, superego,
ego de Freud pode suscitar-nos outras leituras. Mas por ora, procuramos
além de ficcionar uma possível leitura a partir de Schopenhauer e Nietzsche,
produzir no leitor uma pretensa vontade de mergulhar na leitura desta
obra-prima da literatura.
Referências
Bibliográficas
HESSE, Hermann. O
lobo da estepe. Rio de Janeiro/RJ. Civilização brasileira, 1969.
NESI, Maria
Juliani; MARQUES, Carlos Euclides. Reflexão sobre o homem na filosofia:
livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2018.
RAZÃO INADEQUADA. Vontade e
Representação. Disponível em<https://razaoinadequada.com/vontade-e-representacao/> Acesso em: 15/06/2022.
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