Como ensino filosofia? # 33 - Habilidades e competências



  A pergunta “para que estou aprendendo isso?” passa constantemente pela cabeça de alunos do ensino médio e, por vezes, se materializa nas vozes de alguns deles. A questão pode assumir um tom de desafio ao professor, mas também pode ser bem recebida como matéria para debate em sala. Contudo, o fato é que esta pergunta também se passa, ou deveria se passar, na mente dos professores enquanto ensinam. Me lembro que em certos dias de crise existencial enquanto educador, naqueles dias em que as coisas definitivamente não vão bem em sala, alguns dos questionamentos que me rodeavam tinham a ver justamente com isso: que diferença fará na vida de meus alunos saber sobre estas coisas que estou tentando ensinar?

  Para usar meus próprios conceitos construídos em episódios anteriores (#29), penso que esta pergunta sobre a finalidade de tais e tais conteúdos pode ser colocada e respondida em dois níveis de sentido.

  Em um primeiro nível mais insider, isto é, pensado de dentro de toda a estrutura da educação e do plano de ensino específico, a presença deste o daquele conteúdo pode ser justificada de acordo com os objetivos gerais do plano de ensino estabelecido pelo professor. Daí a necessidade de um planejamento coerente. Em meu conteúdo para segundo ano, por exemplo, falar sobre a racionalidade e a democracia na Grécia é um passo necessário para encaminhar mais adiante a importância do pensamento racional para a nascente filosofia moderna, assim como a retomada do ideal de democracia a partir da Revolução Francesa. Numa dimensão mais ampla, a justificação destes conteúdos também se dá na medida em que costumam ser recorrentes na prova de ENEM, etc. E para além desse âmbito instrumental, ter noção da importância do peso que assume a racionalidade e o ideal democrático em nossa sociedade, contribui para a formação do aluno em sua cidadania. Eis aqui um elemento que aparece como significativo em relação à pergunta inicial. Todavia, é preciso reconhecer que se trata de uma justificativa teórica que parte do intuito do professor ao conceber suas aulas (e de suas esperanças sobre a assimilação desse conteúdo pelos alunos).

  Mas em um nível mais radical de indagação, numa perspectiva outsider à logica do ensino escolar estabelecido, a pergunta sobre a finalidade do que se está a ensinar ganha vulto. Afinal, o que eu posso ensinar (em filosofia, mas também em geral) que seja capaz favorecer um ganho, uma contribuição significativa na vida prática desses jovens com os quais convivo? Notem que a própria pergunta está apontando para conteúdos. No caso da filosofia, ela aponta para ideias, pensamentos e saberes sobre a atividade do pensar e seus pensadores que possam fazer a diferença. Enfim, o que eu indico no vídeo de hoje é a intuição de que a pergunta talvez não deva ser respondida nesses termos. Talvez se precise justamente inverter a questão para abrir espaço para reflexões mais estruturais: Que habilidades e competências eu pretendo estimular e ajudar meus alunos a desenvolverem?

  Para fazer essa reflexão é preciso esquecer um pouco os conteúdos e formatos das aulas. É preciso fazer uma espécie de suspensão de juízo (epoché) e se permitir sonhar um pouco. E deste meu breves exercício utópico saiu então uma lista de competências que eu apresentei no vídeo, mas reproduzo aqui textualmente:

Competências instrumentais

Ler e escrever melhor

Ser capaz de interpretar

Ser questionador

Ser cooperativo

Ser respeitoso


Competências filosóficas

Ter noção do processo histórico

Entender as limitações do senso comum

Ser capaz de reconhecer pensamentos filosóficos

Ser capaz de ter suas próprias indagações

Ser capaz de reconhecer e lidar com as próprias emoções

  Eu cheguei a esta lista adotando o princípio do minimalismo pedagógico, isto é, manter o foco em poucas coisas que se possa ensinar bem. É claro que esta é apenas uma sugestão geral e muito pessoal para servir como uma referência de orientação na construção de um novo currículo de filosofia para minhas aulas.

Permaneço aberto a comentários e sugestões!

Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sociedade disciplinar e sociedade de controle

Série Boas práticas- Filosofia na Idade Média 2020b

PASSEIO VIRTUAL PELA EXPOSIÇÃO: DEUSES GREGOS - COLEÇÃO DO MUSEU PERGAMON DE BERLIM - FAAP 2006.