Como ensino filosofia? # 32 - Conceitos essenciais




  Revirando minhas anotações encontrei este vídeo de 2017 que, embora breve, aponta para um fato significativo sobre o planejamento das minhas aulas de filosofia. 
 
  Já desde a minha formação durante a licenciatura sempre estive preocupado com o que ensinar para meus alunos. Naquele momento, me parecia que duas habilidades fundamentais deveriam bastar para fazer um grande professor de filosofia para o ensino médio: ser capaz de estabelecer uma relação humana verdadeira e alcançar um bom nível de companheirismo e cooperação; além disso ter a astúcia de encontrar conteúdos da filosofia que pudessem realmente interessar aos alunos, deixando de figurar como algo distante e alheio.

  Quanto à primeira habilidade fui me dedicando ao longo destes anos a desenvolvê-la e praticá-la. Hoje continuo a considerá-la como fundamental. Quanto à segunda, passei a entender que as coisas não são tão simples assim. Essa busca pelo santo graal, isto é, o conjunto de conteúdos capaz de garantir o interesse dos alunos e despertar seu gosto por filosofar revelou-se um tanto improfícua. Isto por que: 
 
i) pessoas são extremamente plurais; o que pode interessar a alguns não interessa a outros. ii) O mesmo vale para além dos indivíduos, levando-se em conta o contexto social e econômico do lugar onde se ensina; turmas de alunos em contextos rurais e urbanos, por exemplo, podem revelar interações muito distintas com um conteúdo específico. iii) Na dinâmica de uma aula, muitas vezes emergem questões e interesses que, se puderem ser minimamente trabalhadas, acabam se mostrando mais significativas do que aquilo que estava programado; são os chamados conteúdos emergentes. iv) Além disso tudo, não faz sentido encarar os conteúdos de uma forma estática, como se eles por si só possam mostrar-se atrativos aos alunos. É a dinâmica de apresentação destes conteúdos e a possibilidade de ir anexando a eles elementos próximos à realidade do aluno que o tornam significativos.

  Neste sentido, me parece que a habilidade de contextualizar e encontrar ganchos com o momento da aula em relação ao que se quer ensinar surge como algo tão ou mais importante do que a escolha dos conteúdos no trabalho do professor de filosofia.

  Mas o que o vídeo de hoje nos traz é precisamente uma reflexão sobre planejamento. Para quem vai começar a dar aulas imediatamente, é obvio que a definição dos conteúdos estruturados em um plano de ensino é a demanda mais urgente. E foi justamente disso que eu me ocupei em meus primeiros anos de docência na escola. Mas para repensar meu ensino de filosofia desde a base, eis uma questão de grande importância: antes dos conteúdos a ensinar, quais conceitos essenciais se poderia elencar como guia de um plano de ensino? 
 
  Definir certos conceitos essenciais a ser ensinados pode abrir caminho para uma prática de ensino mais fluída em termos de conteúdos. O que, por sua vez, pode ajudar a romper com a linearidade historicista que até então predominou em meu ensino.

  Digamos que eu decida que para o primeiro ano do ensino médio, o conceito de liberdade seja um dos meus objetivos. Diferentes percursos poderiam servir para abordar o tema; da condição do homem político na democracia grega antiga ao tema da liberdade e responsabilidade no existencialismo, e por aí vai. Eu poderia experimentar alguns desses percursos e testá-los para ver o quanto funcionam. Aos poucos diferentes caminhos para se ensinar iriam se constituindo, de modo a tornar a tarefa do professor em sala bem menos monótona. Uma possibilidade mais radical seria a de adotar, a partir do conceito elencado, a proposta de um currículo emergente. Isso é algo que ainda quero considerar com mais cuidado em um episódio futuro desta série.

   De qualquer modo, me parece que também é preciso ter cuidado com esta fluidez excessiva. Sem algum tipo de predeterminação metodológica ela pode acabar se tornando uma desordem e gerando descrédito. A experiência me mostra que transitar com muita rapidez entre diferentes momentos da história e contextos culturais em torno de um tema é algo com o qual os alunos do ensino médio não conseguem lidar muito bem. Não penso que isso se deva a uma limitação cognitiva, mas sim aos anos e anos de educação “linear” na escola. Já vi alguns bons professores serem totalmente incompreendidos (e detestados) pelos alunos por causa da agilidade de suas digressões e pela amplitude de suas sínteses. Talvez isso mesmo tenha me mantido ainda muito preso à linha histórica da filosofia ao ensinar. Querendo ou não, funciona. 

  Enfim, a questão dos conceitos essenciais não é algo novo. Antigamente, os Parâmetros Curriculares de Santa Catarina ofereciam uma proposta preliminar de conteúdos para cada série do ensino médio em todas as disciplinas. Com o passar do tempo, os parâmetros passaram a ser mais abertos e determinar menos taxativamente tais conteúdos. E nos PCSC de 2001 ao lado de tais conteúdos predeterminados se encontra justamente uma lista de conceitos centrais. São eles:

- O mundo

-O conhecimento

-O Ser

- A ética

- A estética

  Todavia, observando com atenção estes são macroconceitos que estão atuando simplesmente como nomes para as diferentes áreas da filosofia, como a epistemologia, a ontologia, a política, a ética e a estética. Ou seja, não ajudam tanto nesta proposta de um planejamento a partir de conceitos centrais. Uma reflexão sobre meu novo currículo para o ensino de filosofia no nível médio exigiria conceitos bem mais específicos. Pessoalmente ainda não tenho tanta a clareza sobre quais são eles. Na verdade, esta reflexão me levou a uma outra, ainda mais fundamental, acerca de competências e habilidades. Pretendo trazê-la na semana que vem; aguardem!

* A quem possa interessar, a lista de conteúdos a ensinar definida pelos PCSC 2001 pode ser encontrada em
http://extranet.sed.sc.gov.br/index.php/consultas-extranet-sed/ponto-eletronico/regulamentacao-ponto-e-formularios/digr/curso-de-formacao-descentralizada-planejamento-e-gestao-pedagogica-fev-2018/7-de-fevereiro-2018/1114-orientacao-curricular-com-foco-no-que-ensinar-1/file

A parte da filosofia encontra-se na p. 86 do documento.

 
Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sociedade disciplinar e sociedade de controle

Série Boas práticas- Filosofia na Idade Média 2020b

PASSEIO VIRTUAL PELA EXPOSIÇÃO: DEUSES GREGOS - COLEÇÃO DO MUSEU PERGAMON DE BERLIM - FAAP 2006.