Como ensino filosofia? # 34 - Educação emocional





  Em que disciplina, tal como está dado o ensino escolar, há espaço para que o aluno tente compreender o que sente e como lida com suas emoções? Certamente, a filosofia é uma forte candidata, desde que esta demanda esteja no horizonte do ensino.

  Nos últimos sete anos de trabalho na escola pública, ficou muito clara a necessidade de trabalhar o aspecto emocional com meus alunos. Ainda que isso estivesse ausente dos propósitos de conteúdo das aulas, na interação diária este “elemento emocional” foi se tornando algo recorrente. Principalmente com do jogo das perguntas (# 19) fui percebendo como o tema das emoções e do modo como cada um de nós lida com elas é capaz chamar a atenção da grande maioria dos alunos, ao ponto de silenciar salas inteiras envolvendo-as em um breve processo de escuta.

  Então, se isso se tornou tão significativo no aspecto da minha convivência em sala de aula (#10), por que não trazer para o conteúdo também? Nos últimos tempos, através de pequenas inovações em meu currículo I eu encontrei alguns espaços para inserir esta temática. Primeiramente através de algumas avaliações, que vinculam ao conteúdo dado um tema relacionado à introspecção pessoal. Peço então para os alunos abordarem este tema através de uma produção textual feita em aula, que fica valendo como uma prova. Alguns exemplos:

- Nas turmas de primeiro ano, logo no primeiro bimestre ao ensinar a distinção entre subjetividade e objetividade, lanço a seguinte produção textual: “Quem sou eu?” - de um ponto de vista objetivo e subjetivo.

- Nas turmas de segundo ano, também no primeiro bimestre, costumo fazer um panorama do contexto medieval, para depois entrar como o nascimento da modernidade. Ao falar sobre o pensamento de Santo Agostinho, fica fácil fazer um gancho para o seguinte tema de produção textual: “O livre arbítrio e minhas escolhas”.

- No ano de 2018, já consciente dessa relevância dos temas emocionais fiz uma experiência um pouco mais robusta com o conteúdo do segundo ano. Na etapa final das aulas sobre o pensamento moderno eu costumava contar com um conteúdo suplementar sobre o tema da consciência (ver minhas aulas compartilhadas em #8). Anteriormente, o conteúdo consistia basicamente na leitura de um trecho do livro didático de Chauí sobre a filosofia no final do século XIX e a influência de Freud. Fiz então a experiência de dar mais ênfase a este material, fazendo exposições mais pessoais sobre a psicanálise e o tema do nosso subconsciente. Por fim, a avaliação trazia a proposta de produção textual: “meu mundo interior e a filosofia”.

  Enfim, permanece como um desafio inserir mais aspectos da educação emocional em meu novo currículo. Talvez dessa vez não de uma forma ad hoc, mas sim como um elemento fundamental no planejamento, que permaneça constante em cada etapa de aprendizagem.

  Como apontei no vídeo, a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de fato sustenta como uma de suas competências fundamentais, a de número 8, o autoconhecimento e o autocuidado. No texto, tal competência é expressa como a capacidade de:
“Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.”
 Particularmente, vejo isso como um grande passo para a mudança na educação escolar. A partir do momento que tais objetivos possam ser tomados seriamente por professoras e professores em todos os níveis da educação escolar, deveríamos então dar mais espaço em nossos planejamentos para abordagens que sigam nessa direção. Contudo, por hora este passo está dado somente no papel. A preparação para sua aplicação prática envolveria um processo de formação intenso no sentido de desconstruir nos docentes a prioridade dos conteúdos intelectuais, dividindo-a com os aspectos emocionais. No dia a dia da escola esta formação, na proporção necessária, não está ocorrendo. Os tempo reservado aos professores para conhecer a proposta da BNCC é pífio; o que dirá para uma real formação naquilo que ela propõe. Some-se a isso o fato de que, para abordar aspectos emocionais, o próprio profissional da educação deveria estar numa posição de equilíbrio de suas emoções, ou ao menos, trilhando seriamente o caminho do autoconhecimento e autocuidado... Infelizmente, por tudo que já vi nas escolas, posso afirmar que para a grande maioria dos professores este não é o caso.

  De qualquer modo, o tema está aí e é muito bom saber que se tem pensado e debatido sobre ele. Fica a indicação de um espaço muito interessante, o Portal da Educação Emocional, com um extenso material sobre o assunto.

https://educacaoemocional.com.br/
 

Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)


Comentários

  1. Excelente, Dante. Tua proposta amplia uma ideia que defendo e que pretendo aprofundar com esse curso de Filosofia. Tenho refletido muito sobre essa perspectiva de estudo e prática filosófica, especificamente para colaborar a certa área. É nessa direção que planejo fazer meu TCC no final do nosso curso, relacionando dependência química (como doença primária, conforme OMS) e abordagem filosófica (existencial, moral, estética...). Com 20 anos estudando o problema, tenho assistido muitos profissionais da área médica caminhar pro lado oposto ou, mesmo, agravar o problema. Ou seja, mais filosofia, melhor compreensão do transtorno e suas soluções; menos behaviorismo (fuga horizontal), menos "regressão" e busca por "motivos" (fuga do centro do problema) e menos psicofármacos (manutenção da psique do adicto). Tenho participado nessas duas décadas de reuniões em Centros de Tratamento e trabalhos de prevenção às drogas em escolas. Nesse sentido, tenho alguns cursos e estudado profundamente o programa de recuperação das irmandades de mútua-ajuda, como os A.A., além de dialogar com profissionais da área. Naturalmente, não trata de ensinar filosofia, mas de "estudar" filosofia para usá-la como instrumento de autoconhecimento e transformação (evolução vertical).

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    1. Muito legal Ricardo, parabéns pelo trabalho! Sabe que algumas coisas que li sobre a proposta de Coaching ontológico parecem se aproximar bastante desse seu interesse, fundamentando-se em filosofia, sobretudo fenomenológica, para estruturar processos de autopercepção, etc.

      Inclusive uma aluna nossa já formada aqui na Filosofia trabalha com isso, a Káritas Ribas, do Instituto Appana.

      Abraço

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