Outro texto da série Boas produções (2019-b)
¨ANTIARTE¨
OU ARTE EMANCIPADORA? A ESPERANÇA DE UMA UTÓPIA SURGIDA NO BRASIL DO GOVERNO
MILITAR
Por Sergio Omelczuk Junior
INTRODUÇÃO
Diante do título acima, o que se pretende para chegar ao
cerne dessa temática, é utilizar-se das palavras e ideias de Eduardo Subirats
passadas a Silvia Carcamo, em uma entrevista cedida à mesma, no ano de 2004, e
traduzida para o português por Flavia Ferreira dos Santos no ano de 2005.
Em
um momento posterior, usando as palavras e ideias do entrevistado pretende-se
associar a essas o conteúdo do trabalho de Marcelo Mari que aborda o ensaio de
Frederico Morais: A crise da vanguarda
brasileira.
Mais
adiante, em outro momento, propõe-se com essa associação de visões
contemporâneas, entender a arte representativa de um período histórico
brasileiro caracterizado pela repressão, em todos os sentidos, por parte de um
regime governamental que vigorava à época.
Também
se tentará fazer compreensível a sistemática e expansiva dominação pelo capital,
e por consequência seus beneficiados, sobre as camadas mais desorganizadas da
sociedade, que por sinal, são quantitativamente a grande maioria da população
mundial.
Porque
o desiquilíbrio social se perpetua e se manifesta como um penhasco entre ricos
e pobres? Essa é uma questão que merece reflexão e se encontrada nas palavras
de ambos os autores.
Por
fim, irá ser ilustrado nesse trabalho, um exemplo de resistência e engajamento
artístico, social e político, um artista e sua obra, ambos tão representativos
da alma agitada daqueles que não compactuaram com o stablishment daquele momento da história brasileira.
EDUARDO SUBIRATS
Há
uma necessidade racionalizada de países, ou instituições imporem sua ideologia,
isso de certa forma, como exercício de dominação e manutenção do status quo. Segundo o filósofo catalão, Eduardo Subirats (2004), o que
começou como imposição religiosa da Igreja Católica e a colonização das novas
terras americanas, continuam hoje como forma de domínio disfarçado e repressão sobre
as possibilidades de emancipação das nações e classes sociais com menor poderio
econômico.
No
livro Memoria y exilio de 2003,
Eduardo Subirats aborda a dominação colonialista sobre a América latina e a
condição de dominância pós colonialista que é mantida até a atualidade pelo stablishment, mesmo que não assumida e intencionalmente
camuflada por tais dominadores.
Subirats,
na entrevista cedida a Silvia Carcamo em 2004, destaca o processo de negação e
exilio da cultura original latino americana, a qual, já nos tempos missionários
de evangelização da população indígena era uma meta de destruição. Essas
manobras destrutivas se propagam até os dias de hoje, sendo os atuais carrascos
representantes dos interesses imperialistas do capital financeiro, como
exemplo, governos ditatoriais e repressores do pensamento crítico e
emancipador.
Além
desse aspecto, acentua o filósofo entrevistado, há a existência de um processo
de menosprezo e difamação em relação aos pensadores com esse tipo senso crítico
contestador, ou seja, pensadores de uma outra via possível para a evolução
humana, com mais justiça e fraternidade entre os seres humanos. Como exemplo
desse tipos de pensadores ele cita brasileiros como Guimarães Rosa e Darcy
Ribeiro. (SUBIRATS, 2004).
Ainda
na entrevista cedida à Silvia Carcamo, Subirats fala sobre o seu ensaio de 2001:
¨Viaje al final del paraíso¨, assim postulando:
[...] a necessidade de
retomar a tradição intelectual crítica latino-americana que a academia
corporativa norte-americana e a indústria cultural europeia enterraram debaixo
de uma avalanche de patéticas veleidades narcisistas e produtos literários
descartáveis. (SUBIRATS, 2004, p. 156).
FREDERICO MORAIS
Transportando
essa visão produzida por Eduardo Subirats, mencionada nas linhas acima, para o
exemplo brasileiro, pode-se dimensionar aqui um curto período de tempo, por
volta dos anos 50, quando uma política de desenvolvimento se estabelecia no
Brasil. Acompanhando esse clima desenvolvimentista, a arte brasileira passa a
ter uma tendência construtiva e se estabelece como uma frente, a qual muitos
denominam como Vanguarda. (MARI, 2012)
Porém,
já nos anos 60, mais especificamente com o golpe militar em 1964, a vanguarda
artística brasileira passa por uma mudança de rumo, isso em razão da repressão
política estabelecida pelo governo ditatorial dos militares. Essa ¨Crise da
vanguarda brasileira¨, como estabelece Frederico Morais em seu ensaio de 1975,
é uma análise desse período, quando no contexto de acontecimentos trazia para
alguns artistas e intelectuais dessa frente vanguardista, mudanças que iam para
além das mudanças que ocorriam internacionalmente, mais relacionadas com as
características estéticas das obras de arte. (MARI, 2012).
Como
registrado por Morais em seu ensaio acima citado, para alguns artistas a arte
se estabelecia da seguinte forma:
“A
arte como ação e engajamento. O artista de vanguarda não se restringe a
produzir obras. Ele luta por impor suas ideias, que não se esgotam,
evidentemente, no campo estético.” (MORAIS, 1975, p. 69 apud MARI, 2012, p. 3).
HÉLIO OITICICA
Entre
os artistas, que para além das mudanças conceituais da estética, partiram para
a preocupação social da arte, no sentido de promoção do equilíbrio entre os
favorecidos e desfavorecidos encontramos Hélio Oiticica.
Oiticica não foi só um dos
articuladores do boicote à Bienal em 1969, mas também o idealizador e
realizador de várias ações coletivas que organizaram os artistas daquele
momento para formarem uma oposição unida contra o inimigo comum. Entre as ações
realizadas por Oiticica estão: a participação na exposição Opinião 65, com
moradores da favela Mangueira para questionar o abismo social (negros e
brancos, pobres e ricos) e estético (arte e cultura dita erudita em oposição ao
popular) da sociedade brasileira dividida em classes; a participação na
exposição Opinião 66; a realização da instalação Tropicália como alegoria da modernização
contraditória brasileira na mostra Nova Objetividade Brasileira, sendo
responsável pelo Manifesto da mostra realizada no MAM do Rio de Janeiro em
1967; no ano seguinte organiza manifestação artística no aterro do Flamengo com
a denominação de Apocalipopótese. (MARI, 2012, p. 9).
Oiticica
é um dos representantes daqueles que se preocupavam em eliminar a distância
entre as camadas populares e a arte, bem como, fazer uma crítica à repressão do
livre pensamento imposta pela ditadura, que tinha ligação com interesses do
capital norte americano, e principalmente ao mercado da arte que se estabelecia
há algum tempo e já conseguia alienar uma parte dos artistas ligados ao stablishment. (MARI, 2012).
Essa era a nova face da
antiarte no Brasil. Uma antiarte que negava não somente a velha moral e os
costumes burgueses de sua época (não se tratava apenas de uma revolução de
comportamentos), mas que envolvia a ligação desses artistas com a agudização da
crise política e social vivida no País. Nesse momento, os artistas seguem o
exemplo dos guerrilheiros e imergem na vida, fazem das táticas e do imprevisto,
grandes trunfos para se posicionarem contra o estado de coisas existente. (2012,
p. 15).
Como
exemplo de obra de arte, produzida por Oiticica, que se encaixa na antiarte,
pode-se citar os ¨ Parangolés¨, conjunto de obras de arte em que o artista
explora para além dos conceitos estéticos de cor e de formas geométricas, essa
obra do artista inovou em apresentação multidimensional do espaço e na dinâmica
do movimento. A exposição dos ¨parangolés¨ foi ativa e interativa, de forma que
pessoas da favela da Mangueira, ao som e dança do samba, utilizando uma espécie
de capa, os tais ¨Parangolés¨, como nomeou Oiticica, se apresentaram no evento de
arte mencionado em certo trecho do texto acima, ¨Opinião 65¨. Como pode-se
imaginar foi um escândalo para aquela sociedade burguesa organizadora do
evento, porém expulsos da exposição, do lado de fora, nos jardins, fizeram a
festa acontecer, esse foi o fato que marcou aquela data. (ALAMBERT, 2006)
CONCLUSÃO
¨Desesperar jamais¨ música de Ivan Lins e Vitor Martins de
1979, já nos momentos de decadência do regime militar, tem em sua letra os
indícios do que soprava no ar daquela época. Uma nova esperança, a
redemocratização do Brasil. Uma utopia desejada pelo povo brasileiro, que
clamava por mais liberdade, inclusive a liberdade de pensar e expor seus
pensamentos, como também, e por consequência a liberdade de escolher seus representantes
nos destinos da nação.
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada! Nada! Nada de esquecer
No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar
Mas agora, acho que chegou a hora
De fazer Valer o dito popular
Desesperar jamais
Cutucou por baixo, o de cima cai
Desesperar jamais
Cutucou com jeito, não levanta mais (LINS, MARTINS,
1979)
Hoje,
cerca de quarenta anos depois, vivemos sob uma pseudo democracia, uma mentira
manipulada pelos mais diferentes interesses, que atende às vontades de uns
poucos em detrimento ao que seria destinado para a maioria da população. Pode-se
observar que o cenário pouco mudou, continua a sujeição da maioria dos seres
humanos do planeta à vontade do mundo capitalista, onde o individualismo se exacerba,
e a vida se torna cada vez mais fugaz e efêmera. O consumismo vira a lei do
deus mercado que se impõe aos homens, onde tudo se transforma em mercadoria,
onde o ter é infinitamente superior ao ser. Mas, desesperar jamais, como diz a
canção. É por isso que estudo filosofia.
REFERÊNCIAS:
ALAMBERT, Francisco. OITICICA, Hélio Rio de Janeiro
(Brasil), 1937-1980. ENCICLOPEDIA LATINO
AMERICANA. São Paulo, Boitempo, 2006. Disponível em: http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/o/oiticica-helio.
Acesso em: 15 nov. 2019.
LINS, Ivan; MARTINS, Vitor. Desesperar jamais in: LINS,
Ivan. A Noite. Brasil: EMI, 1979, LP.
MARI, Marcelo. FREDERICO MORAIS:
A CRISE DA VANGUARDA CONSTRUTIVA NO BRASIL (1960-70). Revista Palíndromo: Programa de Pós‐Graduação em Artes Visuais –CEART/UDESC,
Florianópolis, v.4, n.8, p. 63-98, 2012. Disponível em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/palindromo/article/viewFile/3592/2549,
Acesso em: 11 nov. 2019.
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