Como ensino filosofia? # 11 - Sobre contar uma história



  Contar uma história pode ser uma excelente ferramenta para o ensino de filosofia. Com uma boa história é possível criar aquele momento em que se consegue prender a atenção dos alunos e trazer suas consciências para um mundo diferente. Mas é preciso fazer disso algo especial; uma verdadeira contação de histórias e não apenas uma descrição didática (e tediosa).

  É claro que você pode se preparar especialmente para isso, estudando e conhecendo mais sobre a arte da contação de histórias. Mas é algo bastante intuitivo que qualquer um pode tentar, por que, como diz o ditado, “quem conta um conto aumenta um ponto”. Assim, sem pensar muito tente contar uma história para seus alunos quando surgir a oportunidade. Você verá que uma janela aberta para o universo lúdico pode ajudar bastante.E a cada vez que você contar uma história, vá observando que parte as pessoas gostam mais, que partes são engraçadas ou curiosas e vale a pena dar mais ênfase. Vez por outra você vai se pegar descrevendo algo com mais detalhes, ou mesmo acrescentando alguns trejeitos ou vozes diferentes. Enfim, basta estar aberto e ir lapidando a mesma prática. Dentro de algum tempo você terá um pequeno repertório de histórias que valem a pena ser contadas e podem ser aplicadas em diversas ocasiões.

  E no caso da filosofia, não faltam anedotas curiosas. De Tales usando seu conhecimento meteorológico para ganhar dinheiro com o aluguel de prensas de azeitonas às últimas palavras de Hegel em seu leito de morte. De Diógenes menosprezando o imperador Alexandre a Kant atuando como relógio de seus vizinhos em seu passeio da tarde.

  Uma das histórias que mais gosto de contar é a da conversão de Agostinho de Hipona à fé cristã. Trago o causo para a linguagem dos alunos, descrevendo como Agostinho era uma cara bem “vida loka”, andou por aí em busca de respostas. Prossigo com a narrativa, encenando perto da janela o sobressalto de Agostinho ao ouvir uma voz misteriosa de criança no jardim cantando uma cantiga que dizia : “pega e lê”, até chegar ao seu encontro epifânico com a palavra do evangelho através de uma bíblia aberta ao acaso. A esta altura, é possível ver claramente nos olhos dos alunos mais religiosos uma admiração e surpresa.

  Em resumo, a história da filosofia está recheada de fatos e causos que podem render boas histórias. Confesso que até o momento não levei a fundo o desenvolvimento desta habilidade, pesquisando outras histórias além das que já conheço e fui adaptando para contar em sala. Mas se essa estratégia te interessa, o livro Escada dos fundos filosofia, de Wilhelm Weischedel (1999) pode ajudar a encontrar mais e mais histórias.

Mas conforme indiquei no vídeo acima, também minhas histórias de vida funcionam muito bem em alguns momentos. Seja para ilustrar alguma atitude, algum medo, alguma dificuldade, uma vergonha ou situação hilária. Como diz o célebre escritor Ariano Suassuna: “Tudo que é ruim de passar é bom de contar”.

Sejam grandes ou pequenos acontecimentos da vida cotidiana, o ato de compartilhar algo seu com os alunos traz mais e mais proximidade. As vezes é possível costurar a narrativa dessas experiências com uma finalidade didática: de um exemplo sobre algo que estou explicando me remeto a um fato de minha vida, ou algo que vi na rua. E as vezes as histórias surgem simplesmente para entreter; em momentos onde a atenção geral se perdeu e aparece uma oportunidade de descontração para depois retomar o foco.

Enfim, não há receita. É a situação que proporciona um gancho para uma história que pode te ajudar a trazer a atenção da sala toda para sua narrativa por alguns minutos. De qualquer modo, como também disse no vídeo, este é um recurso que precisa ser usado com moderação.

Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sociedade disciplinar e sociedade de controle

Série Boas práticas- Filosofia na Idade Média 2020b

PASSEIO VIRTUAL PELA EXPOSIÇÃO: DEUSES GREGOS - COLEÇÃO DO MUSEU PERGAMON DE BERLIM - FAAP 2006.