Como ensino filosofia # 14 - Entregando as provas


  Eu ainda pretendo discutir criticamente sobre o papel das avaliações na educação escolar, mas esta é uma tarefa para uma próxima fase desta série. Por hora, estou partindo do ensino como ele está dado, dia após dia na rotina da maioria das escolas. E neste contexto, o momento da entrega das provas é uma situação de ansiedade para muitos alunos e frustração para outros.

  Se imagine recebendo uma prova com uma nota bem baixa. Imagine que esta prova nem lhe foi entregue pelo próprio professor, mas por um colega que ficou incumbido desta tarefa. A correção em vermelho apenas assinala com um x que algumas respostas estão erradas; nem um comentário escrito, nem um comentário verbal ou sequer um olhar. Neste caso, obviamente o aprendizado através deste instrumento de avaliação não se dará pelo reforço positivo a uma resposta correta. A prova sinaliza que as respostas não estão bem e o aprendizado está condicionado então ao momento da correção da prova pelo professor. Prestando atenção a este momento o aluno poderá identificar onde errou e por que.

  Mas imagine também que esta entrega e correção da referida prova ocorre cerca de 15 dias depois da realização do teste. Acrescente ao momento da correção uma sala tumultuada, onde os alunos que foram bem não estão atentos à fala do professor e conversam paralelamente. Já os que foram mal sentem-se desanimados pelo insucesso e “condenados” à prova de recuperação. 


  Acrescente, por fim, um mundo interior conturbado por uma miríade de pensamentos e sentimentos; algo bastante comum a adolescentes. O resultado disso tudo não é simplesmente um infortúnio pessoal do aluno, mas o fracasso do próprio instrumento de avaliação, em seus propósitos de testar e levar o aprendizado um nível acima.

  Levando em conta esta falibilidade da prova como instrumento para ensinar (e não somente como a burocracia indispensável para a aprovação) eu passei a dar um pouco mais de atenção a este pequeno momento da entrega das provas. Olhar no olho do aluno, fazer um pequeno comentário ou elogio, ou mesmo parar para mostrar um erro de escrita recorrente. Estes pequenos gestos de atenção podem fazer bastante diferença ao longo do tempo.

  No vídeo eu descrevo como acostumei meus alunos a fazer deste momento de entrega das provas uma pausa para um pouco de descontração. Vou andando por toda a sala, chamando os nomes e fazendo breves comentários. Alguns alunos fazem caretas ao ouvir seu nome, esperando pelo pior… Algumas vezes tiraram notas boas; é pura insegurança. Aproveito para soltar uma frase de motivação: “confie mais em você!”. Geralmente reclamo das respostas muito breves, dizendo que estão curtas demais, mas sempre em tom de brincadeira. Em geral procuro evitar o ar de censura e reprovação, dando mais ênfase à motivação. Digo que está bom, digo que está ótimo, digo que está mais ou menos, digo que faltou um pouco desta vez, digo que eu esperava um pouco mais. Evito dizer que está ruim, nunca digo que está péssimo, mesmo que esteja. Há muitas maneiras de mostrar ao aluno que ele não foi bem sem causar um constrangimento diante da turma.

  Também aprendi a distinguir quais os alunos com os quais posso brincar um pouco diante de um mal desempenho numa prova e quais não devem ser submetidos a nenhum tipo de piada neste sentido. É preciso sensibilidade para saber onde cabe uma risada, e onde não cabe, sob o risco de um grande prejuízo para a autoestima de um indivíduo.

  Me referi no vídeo a uma reportagem que me inspirou a investir mais neste clima motivacional. Segue o link:

https://awebic.com/humanidade/elogiar-alunos/

  E neste momento de entrega das provas também aproveito para fazer algumas correções pessoais da escrita. Em vez de escrever a palavra corretamente ou apenas riscar as palavras incorretas, eu prefiro fazer dois traços embaixo de todas as palavras com erro de ortografia. Ao entregar a prova, escolho alguns erros recorrentes e mostro ao aluno. Pergunto a ele se sabe por que está errado e, só a partir de sua resposta é que mostro o erro e indico a escrita correta. Dessa maneira ao longo dos três anos acredito ir dando uma contribuição lenta, mas significativa às habilidades de escrita dos meus alunos (em geral bastante atrofiadas por um sistema que cobra mais regras e conceitos teóricos do que aplicação prática daquilo que usamos a todo momento do dia: nossa língua portuguesa).

  É claro que não é possível dar essa atenção a todos os alunos de uma sala a cada vez. Mas vou alternando este atendimento a cada entrega de prova, conforme a necessidade.


Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sociedade disciplinar e sociedade de controle

Série Boas práticas- Filosofia na Idade Média 2020b

PASSEIO VIRTUAL PELA EXPOSIÇÃO: DEUSES GREGOS - COLEÇÃO DO MUSEU PERGAMON DE BERLIM - FAAP 2006.