Como ensino filosofia? # 13 - Assistindo um filme em sala de aula



  Quando eu frequentei a escola, nos anos 90, o recurso audiovisual nas aulas era coisa rara. Ao menos na minha experiência, assistir um filme em aula como parte do estudo de um conteúdo era algo incomum que, por si só, já despertava interesse e prendia a atenção. Mas os tempos são outros e o uso de recursos audiovisuais na escola tornou-se corriqueiro. Os alunos continuam gostando, mas nem sempre pela possibilidade de aprender de uma forma diferente. Muitas vezes a ocasião de ver um vídeo representa para eles apenas a oportunidade de passar uma aula “sem fazer nada”. Nem sempre está claro para todos que a tarefa de assistir um filme, documentário ou animação também é uma modalidade de aprendizado.

  Neste sentido é muito importante:

-O trabalho de contextualização do conteúdo audiovisual em relação ao que está sendo ensinado. O vídeo precisa fazer sentido em relação àquilo que está sendo desenvolvido nas aulas. Mais do que isso, esse sentido precisa ser claramente explicitado aos alunos.

-O trabalho de valorização do recurso audiovisual através de estratégias que possam minimizar a dispersão dos alunos neste momento de aprendizagem.

  Como afirmei no vídeo acima, todo o trabalho de planejamento e didática através do uso de um conteúdo audiovisual pode ser posto a perder se não formos capazes de criar um ambiente de atenção a este conteúdo. Mas é importante lembrar que ficar repetidamente chamando a atenção de alunos durante o vídeo ou mesmo pausar o filme para dar broncas na sala é a pior das estratégias para evitar a dispersão; pois ao (talvez) conseguir com isso a cooperação dos alunos que não estavam atentos, ao mesmo tempo se consegue também a impaciência daqueles que estavam realmente assistindo.

  Também é importante levar em conta que muito raramente é possível conseguir a atenção de todos. Dependendo do dia e da situação existencial de cada indivíduo, nada pode chamar ou prender sua atenção. E tudo bem. A mensagem será dada a quem estiver em condições de apreendê-la; não temos como "enfiar coisas" na cabeça das pessoas!


Breve observações sobre o vídeo:

  A importância de realmente assistir o vídeo junto com os alunos me remete ao existencialismo como referência pedagógica. Ou seja, se trata de viver junto aquele momento de interação com este conteúdo. Isso traz uma espécie de coesão; uma energia que atrai. Quanto mais gente realmente vendo o vídeo, mais gente vai se interessando. E a atitude do professor conta muito neste sentido.

  Sobre fazer pequenas intervenções no vídeo, é algo que se vai aprendendo por experiência prática. De tanto assistir o vídeo e comentar algumas coisas, é possível ir percebendo os pontos de corte mais oportunos e os comentários que são mais significativos para os alunos. Muitas vezes vai bem uma elucidação de alguma piada que passa desapercebida ou referência externa que os alunos não são capazes de captar. Um exemplo:

No filme O nome da rosa, a dupla de monges fica presa em um labirinto. Enquanto o monge mais velho tenta lembrar das regras que aprendera em um livro para sair de um labirinto, o monge mais novo mostra a ele o fio de seu hábito que ele havia descosturado e prendido no início do labirinto, indicando assim o caminho de volta. O monge mais velho diz ao mais jovem: “Muito bem meu rapaz! Sua formação clássica nos é muito útil agora.”

Neste ponto pauso o filme e pergunto aos alunos se alguém conseguiu entender aquele comentário. Geralmente, ninguém. Pergunto, em seguida, se eles não estariam lembrando do trabalho sobre os mitos que fizeram no primeiro ano; se essa história de escapar de um labirinto usando um novelo de lã não era familiar. Não demora então para alguém lembra-se do mito de Teseu no labirinto do minotauro. Explico então que a “formação clássica” do monge era justamente o estudo da antiga cultura grega, etc. Retomamos então o filme, algumas vezes com mais interesse da inquieta plateia.

  As vezes também convém fazer um recorte do vídeo, ou seja, passar apenas um trecho específico, pulando uma parte do começo, ou terminando a exibição antes do final. Isso funciona bem quando o vídeo tem um início muito tedioso para os alunos, quando faz uma longa introdução que você julgue desnecessária, ou quando acaba se afastando ao final do assunto que você julga mais relevante para sua aula. Por mais que o conteúdo seja elucidativo, a atenção da turma vai esfriando pode se chegar a um ponto no qual não é mais possível retornar. Assim, a observação atenta de em que ponto de um filme isso começa a acontecer é uma boa indicação de pontos de corte.

  E quando se trata de um vídeo bem curto, de 7 ou 10 minutos, como animações ou pequenos documentários, costumo exibi-los duas vezes. A primeira por completo, sem nenhum comentário. A segunda pausando em trechos ou imagens que motivam explicações. Nesta segunda exibição, muitas vezes coloco o volume no mudo e vou trabalhando só com as imagens passando, enquanto vou fazendo comentários. É muito bom quando os alunos começam a perguntar sobre imagens e isso nos leva a outras explicações, etc.

  Enfim, todos estes ajustes vão sendo obtidos à medida em que o professor vai prestando atenção ao seu trabalho com conteúdos audiovisuais. Posso dizer então que toda vez que passo um filme para os alunos, estou aprendendo sobre como potencializar aquele material por meio de estratégias.

Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)

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