Como ensino filosofia? # 15 - Avaliar menos



        Avaliar menos

   Dando continuidade ao tema das provas levantado no post anterior, trago hoje a proposta de avaliar menos como um princípio geral que tenho adotado em minhas aulas de filosofia. Como disse no vídeo, todo processo de aprendizagem requer momentos de avaliação como parte essencial de seu desenvolvimento. Mas e quando o número de avaliações é maior do que as oportunidades de aprendizagem? Este me parece um problema evidente no contexto do ensino escolar atual.

  No vídeo me referi especificamente a provas, mas certamente professores se utilizam de um repertório bem variado de instrumentos de avaliação, como tarefas de casa, pesquisas, trabalhos em grupo com apresentação oral, redações e por aí vai. Esta variedade de instrumentos para avaliar o desempenho do aluno é importante e pode trazer mais dinâmica ao andamento de cada disciplina.

  Vou deixar o tema mais profundo da reflexão crítica sobre o papel das provas na educação escolar para um outro momento. Aqui pretendo chamar a atenção é para a quantidade de avaliações que geralmente é realizada. Será mesmo necessário que um aluno precise ter 5 notas para fechar a média de um bimestre? Que motivos concretos levam um professor a estabelecer um processo tão intenso de avaliação em seu curso? Estas perguntas nos levam diretamente ao contexto prático da sala de aula, dia após dia. Eis algumas respostas a esta segunda questão:

  • Provas funcionam como um instrumento de controle do professor em relação à turma. A ameaça de uma nota baixa acaba mantendo alguns alunos “na linha”. 
  •  Provas e outras avaliações atuam como o grande argumento que o professor dispõe para convencer os alunos a fazerem algum tipo de atividade em sala de aula? Se algo “não vale nota”, não costuma ser levado muito a sério pelos alunos.
  • Provas e outras atividades mantém os alunos ocupados. Para quem está acostumado a encarar uma sala de aula após a outra por 40 horas semanais (ou mais), algumas aulas onde os alunos permanecem em silêncio entretidos com os testes representam um pequeno oásis.

  Provas são, portanto, o grande pivô do ensino escolar. Matéria para a prova, revisão para a prova, aprender… para a prova. Por outro lado, o grande número de avaliações para corrigir é também um grande peso para o professor, naquela parte do seu trabalho que ninguém enxerga: horas e horas em casa lendo as respostas de seus alunos (ou não…).

  Por diversas vezes perguntei a alguns colegas, se era realmente necessário tantas provas por bimestre. A maior parte deles não soube dar uma justificativa própria; apenas assim o fazem.

  De fato, a presença de uma lista extensa de atividades no registro dos conteúdos ao final do bimestre, juntamente com as numerosas notas para fechar a média bimestral, impressiona. Aos olhos daqueles que estão fora da sala de aula (pais, supervisores pedagógicos, diretores, etc.), certamente a impressão que fica é a de um trabalho bem feito pelo professor; um ensino consistente. Ao mesmo tempo, talvez esta mensagem de realizar o mínimo de avaliações por bimestre possa soar como uma postura acomodada de um professor, que deseja ter o mínimo de trabalho possível. Mas não necessariamente.

  Em primeiro lugar, é bastante compreensível que o nível de atenção à correção das provas de cada aluno seja inversamente proporcional ao número de avaliações para corrigir. Ou seja, quanto maior a pilha de provas para corrigir, menos um professor poderá prestar atenção e julgar com calma cada uma das atividades, a fim de dar conta de seu trabalho em tempo hábil. Fazer anotações específicas na prova de um aluno apontando seus erros, ou corrigir os erros de ortografia (coisa que faço questão de fazer) vão se tornando ações impraticáveis dependendo da quantidade de provas para corrigir.

  Em segundo lugar, a proposta de avaliar o mínimo necessário se refere a deixar mais espaço para as aulas propriamente ditas. Trata-se de gradualmente ir tirando a avaliação do centro da atividade pedagógica. Ter mais tempo para expor conteúdos, dar espaço às reflexões dos alunos e ter disponibilidade para valorizar os temas que emergem na interação entre a turma. E isso não significa “ter aulas livres”, sem um conteúdo determinado. Antes, trata-se de ter mais tempo de aula para tratar de cada conteúdo, sem ter que correr tanto.

  Tenho sentido que, aos poucos, também meus alunos vão compreendendo esta atitude de manter a avaliação em segundo plano. Isso diminui a tensão diante das provas e favorece a atenção àquilo que fazemos na sala em cada dia, sem o peso constante da questão da nota. É claro que as notas continuam como um elemento determinante nos moldes da educação escolar como está dada. Mas estar dispensado de tantas atividades “valendo nota” abre espaço para criar outras formas de interação.

  Por fim, retomando as contas que esbocei no vídeo, é bom ressaltar que a média de 25 provas por bimestre (uma estimativa bem modesta) deve ser multiplicada por dois levando-se em conta a obrigatoriedade das recuperações paralelas para cada avaliação feita em sala de aula. É claro que nem todos os alunos precisam das recuperações, mas para o professor elas acontecem de qualquer modo.

Observação sobre as imagens iniciais do vídeo:

  Não é meu interesse utilizar esta série como meio constante de denúncias sobre a estrutura do ensino estadual de Santa Catarina. Entretanto, mostrar a situação concreta das escolas acaba sendo inevitável na minha proposta de expor e refletir sobre “a real” do cotidiano do professor.

  Como afirmei no vídeo, em minha escola particularmente sempre tivemos uma gestão bastante cuidadosa com nossos recursos materiais. Mas no caso da sala de informática, não se trata só da falta de manutenção dos computadores, mas principalmente da falta de uma pessoa para manter a sala aberta e dar atendimento aos alunos e professores. Este pessoa era o chamado técnico das salas informatizadas, que todos os anos faziam uma prova e eram contratados em caráter temporário, tal como os demais professores ACT. Desde o ano de 2017 não houve mais concurso para contratação destes profissionais, de modo que a situação da sala de informática em minha escola certamente não deve ser uma exceção entre as escolas estaduais do nosso estado.

Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)

Comentários

  1. Realmente, temos que pensar mais as implicações e o texto desta reforma...
    Valeu Dante!
    CEM

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