A GRANDE ARTE: VIVER E SER FELIZ
Eis um dos bons textos produzido na Unidade de aprendizagem "Filosofia na Grécia Antiga".
A GRANDE ARTE: VIVER E SER FELIZ
Edvaldo Nazareno Carvalho Faria[*]
Se não revelar o que penso
através de uma declaração formal, o farei através de minha conduta. Não julgais
que ações são provas mais confiáveis do que palavras? (SÓCRATES, 2012).
Apaguemos a lanterna de
Diógenes; achei um homem. (ASSIS, 1997).
Se o que você possui lhe
parece insuficiente, então, mesmo que você possua o mundo, ainda irá sentir-se
infeliz. (SÊNECA, 2000).
Do
que eu preciso para ser feliz? Essa enquete poderia ser feita nos dias de hoje
e obter-se-iam sugestões como estas: dinheiro, muito dinheiro; bens, em grande
quantidade; “um milhão de amigos”, diria um cantor popular. Parece
inacreditável, mas há dois milênios muitos filósofos debruçaram sobre essa
questão e nos surpreenderam com suas inusitadas sugestões para se adentrar o
território da Felicidade. Homens como Antístenes de Atenas, Diógenes de Sínope,
Pirro de Élis, Epicuro, Zenão de Cítio, Cleantes de Assos, Crísipo de Solis,
Panécio de Rhodes, Possidônio de Apanca, Sêneca e Marco Aurélio. Esses homens
dirão que, para se atingir esse tão almejado território, precisa-se de poucos
bens materiais, mas de muita determinação, abnegação, desprendimento, persistência,
disciplina e coragem. Aí a colheita é certa, segundo eles. Os filósofos
retromencionados inauguraram escolas distintas para atingir os seus propósitos;
por isso, fundaram o cinismo, o ceticismo, o epicurismo e o estoicismo.
Escolher-se-ão duas dessas correntes para ilustrar suas estratégias as quais essas
escolas consideram necessárias e suficientes para obtenção de uma farta e
generosa colheita, mas avisam: não sem um rol de sacrifícios.
O
cinismo e o estoicismo: essas escolas ressaltaram a importância de atender a
determinados princípios. Para alcançar a eudaimonía
(felicidade), era imprescindível o aprimoramento da autárkeia (autarcia, autossuficiência, a capacidade de bastar-se a
si mesmo, de não depender dos outros ou da posse de bens materiais) e da apatheia (autodomínio, a capacidade de
suportar a dor, o cansaço e a privação). Ao se implementar os mencionados
princípios, o pretendente à felicidade atingiria a ataraxía, que é a imperturbabilidade da alma. O final da estrada é
o encontro com o tesouro cobiçado – a felicidade em estado puro.
O
cinismo foi fundado por Antístenes, que foi discípulo de Sócrates. Essa escola
pregava uma renúncia ao saber:
[...] só é necessário conhecer
aquilo de que se precisa para viver. A consequência ética desse pragmatismo é
que a virtude, que reside na inteligência, constitui o único bem. O homem deve
buscar em si mesmo a verdade e para isso deve renunciar às paixões e aos
desejos e rejeitar as convenções impostas pela sociedade (BARSA1,
2004).
Mas é com
Diógenes de Sínope que a escola encontra seu mais entusiasmado representante. Ele
defendia a auto-suficiência
(autarquia) e negava a necessidade de valores como a família, a cultura e o
estado. Dizia que a felicidade se obtém pela satisfação das necessidades da
maneira mais econômica e simples. Afirmava que tudo que é natural não é
desonroso, nem indecente, e, portanto, pode e deve ser feito em público (BARSA2,
2004).
Ao por em
prática uma vida absolutamente distinta da dos atenienses, Diógenes chamou a
atenção de todos, até mesmo de Alexandre, o Grande, que o procurou para ver de
perto que homem era aquele. Após dialogar com o filósofo do barril, cujos
pertences se resumiam a uma esgarçada túnica, uma lanterna utilizada para
procurar um homem honesto durante o dia e um cajado para amparar-lhe o corpo
frágil – em virtude de uma alimentação deficiente –, o monarca lhe disse que
lhe daria o que ele quisesse, era só pedir; o filósofo então solicitou ao soberano
que se afastasse para permitir que o sol banhasse o seu corpo seminu: “Não me
tires o que não podes me dar!” (SELL, 2011).
Eleger
a razão para balizar o andamento da viagem, é o melhor a fazer, segundo os
estóicos. Essa escola foi fundada por Zenão de Cítio no ano 300 a.C. e teve
muitos seguidores. Ressalta-se a importância de dois filósofos: Sêneca e Marco
Aurélio, este foi conhecido como o imperador filósofo. É de Sêneca uma anotação
emblemática do comportamento de Zenão ao sofrer um revés em suas posses:
Ao ser avisado sobre um
naufrágio e ser alertado para o fato de que sua bagagem havia afundado, Zenão
comentou: “A Fortuna me desafia a ser um filósofo menos sobrecarregado.”
(SÊNECA, 2001).
É uma
reação inteiramente previsível do fundador do estoicismo, visto que o princípio
basilar dessa escola é viver em conformidade com a razão, a fim de se libertar
da escravidão das paixões e das posses materiais. O homem estóico é aquele
insensível ao prazer e à dor. Não será a perda de uma bagagem que o fará perder
o equilíbrio. A arma desse homem estóico é o controle absoluto de sua vida.
Nada que seja externo o abalará. Toda a sua riqueza consiste na serenidade com
que enfrenta os dissabores da vida. Nem prazer, nem dor: é o despojamento das
paixões que o mantém de pé, sólido, equilibrado e impassível diante das
tormentas que o mundo lhe oferece. Na verdade, todo esse investimento tem uma
razão de ser: cultivando a serenidade ao longo da estrada, ele terá direito ao
bilhete de acesso ao território da felicidade; porquanto, trata-se de uma
conquista. Nada mais justo.
Em
que pese o esforço sobre-humano desses filósofos das escolas helenísticas para
o alcance da felicidade, é prudente reconhecer que o regramento proposto por
eles está ao alcance de todos os interessados. Veja que em nenhum momento eles
exigem que esses candidatos à felicidade tenham uma formação acadêmica. Não.
Esse quesito nem é mencionado. Conheci uma senhora do povo aqui em Montes
Claros, cuja graça era Maria Baixinha: simples, religiosa, apenas alfabetizada
e de uma serenidade a toda prova. Não andava seminua – destoava assim do
filósofo Diógenes –, mas era desapegada dos bens materiais, vivia sozinha em
uma casa de um único cômodo (eu estive lá várias vezes e constatei), e apesar
da sua condição, em virtude da qual se poderia facilmente imaginar muitos
percalços, ela era de uma placidez extraordinária. Irradiava paz. Peço vênia
aos filiados ao ceticismo para afirmar categoricamente: Ela teve acesso ao tal
bilhete, com certeza. Poderia citar outros exemplos, não muitos. Mas esse já
basta. É impossível ao se deparar com esses conceitos apresentados pelos
filósofos das escolas helenísticas, principalmente os cínicos e os estóicos, e não
se lembrar dessa magnífica senhora.
Para
encerrar, cito passagem do filósofo francês Michel de Montaigne que corrobora
com o entendimento expresso no parágrafo anterior: “A vida já me concedeu a
oportunidade de encontrar centenas de artesãos e lavradores mais sábios e mais
felizes do que muitos reitores.” (MONTAIGNE, 2001).
Ainda
bem que é assim.
REFERÊNCIAS
ASSIS,
Machado de. A semana II. – São
Paulo: Globo, 1997, p. 41. – (Obras completas de Machado de Assis). ISBN:
85-250-1780-9.
BARSA1,
Grande Enciclopédia – volume 4. Verbete: Cinismo. – 3ª ed. – São Paulo: Barsa
Planeta Internacional Ltda., 2004, p. 217. ISBN: 85-7518-173-4.
BARSA2,
Grande Enciclopédia – volume 5. Verbete: Diógenes. – 3ª ed. – São Paulo: Barsa
Planeta Internacional Ltda., 2004, pp. 181 e 182. ISBN: 85-7518-174-2.
MONTAIGNE,
Michel de. In: As consolações da
filosofia. DE BOTTON, Alain. Tradução: Eneida Santos. – Rio de Janeiro:
Rocco, 2001, p. 178. ISBN: 85-325-1316-6.
SÊNECA. In:
A história da filosofia. DURANT,
Will. Tradução: Luiz Carlos do Nascimento Silva. – São Paulo: Nova Cultural,
2000, p. 111 (Coleção “Os pensadores”). ISBN: 85-351-0695-2.
––– In: As consolações da filosofia. DE BOTTON,
Alain. Tradução: Eneida Santos. – Rio de Janeiro: Rocco, 2001, p. 125. ISBN:
85-325-1316-6.
SELL,
Sérgio. História da filosofia I: livro
didático. Design instrucional: Leandro Kingeski Pacheco; assistente
acadêmico: Roberta de Fátima Martins. – 1. ed. rev. – Palhoça: UnisulVirtual, 2011, p. 194.
SÓCRATES.
In: Vidas investigadas: de Sócrates a
Nietzsche. MILLER, James. Tradução: Hugo Langone. – Recurso eletrônico. –
Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2012. ISBN: 978-85-8122-141-0.
[*] Estudante do segundo semestre
(em 2018b) do curso de Filosofia da Unisul Virtual. Texto apresentado para Unidade
de aprendizagem Filosofia na Grécia
Antiga, orientada pelo professor Carlos Euclides Marques.
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