Mais um trablho da UA de Estética e História da Arte
O Belo na Arte de
Rogério Skylab
Victor Hugo Martins, estudante de Psicologia - Unisul
Acabo de assistir um vídeo de um antigo programa da TV PUC,
chamado Diálogos Impertinentes. Apresentado por Mário Sérgio Cortella,
este episódio apresenta uma conversa entre o filósofo Celso Favaretto e o
artista Décio Pignattari mediada por Caio Túlio Costa, os quatro participantes
realizam uma discussão a respeito do Belo. Após realizar algumas anotações de
falas dos participantes do programa, refletindo sobre o que discutir neste
ensaio, uma das falas de Pignattari me chama a atenção:
Ninguém vive sem um pouco de brega, um pouco de kitsch, um pouco
de mau-gosto. [...] Não vive porque o kitsch, o mundo industrial, produz
uma enorme quantidade de detritos de toda a espécie. As formas se sucedem nos
bens comuns de uma maneira vertiginosa e essas coisas vão sendo depositadas.
[...] Você tem que conviver na vida diária com esses detritos de sentimentos,
de ideias, de obras. Mas você tem um valor sentimental. Porque quando você se
forma, você é criança, não tem julgamento estético. Mas aquele cheiro, aquela
música que você ouviu quando tinha 4 anos, aquilo te marca a sensibilidade,
pode ser a coisa mais brega do mundo, mas marca a sensibilidade.
Pensando nesse mau-gosto, lembro-me do músico Rogério
Skylab, tão escutado em minha adolescência. Decido escrever este ensaio como
forma de reflexão estética, pensando sobre sua música, a Arte e o Belo. Rogério
é um cantor e compositor carioca da Música Popular Brasileira e passa pelos
gêneros do pós-punk, bossa nova e samba. Formado em Letras e em Filosofia pela
UFRJ, muitas de suas letras tratam de temáticas escatológicas e
niilistas, como Bunda suja, Dedo, língua, cu e buceta e Matador
de Passarinhos. Com estes títulos já se tem uma ideia de subversão de
padrões morais. Neste sentido, tem beleza na música de Skylab? É isso arte?
Para iniciar estas reflexões, pensei na função naturalista
da Arte, sendo ela tida como uma representação da natureza, ou seja, mímesis
(MARQUES, 2019); essa representação, na música, é dada através da melodia e da
palavra cantada, e é esta última pela qual me atenho. Nomear o real, a
natureza, é “impor identidade ao múltiplo [...], forjar uma unidade que a
pluralidade das coisas não apresenta. A palavra, por juntar coisas distintas em
um único signo, se sustenta na negação da diferença” (CAMARGO, 2013, p. 6).
Assim, ao mesmo tempo que a palavra é limitadora, na arte é utilizada como uma
captura do real para expor a verdade do artista, verdade esta pensada como
“nome que se dá à correspondência entre o texto de signos e o real representado”
(IDEM, 2013, p. 7). Na música Bunda Suja, por exemplo, Skylab narra uma
história em que come uma empanada estragada, vai ao banheiro de um bar,
descreve aquilo que vê, “Depois eu fiquei olhando os desenhos na parede/Um
piru/Uma bunda/Uma porção de telefones” e disserta sobre a verdade “E
descobri uma verdade simples/Absoluta/Inelutável/Não tinha papel higiênico”,
e através da elaboração das frases da canção, representa o real. Retomando a
função naturalista da Arte, como mímesis, é possível pensar o Belo neste
sentido, uma cópia da natureza, e daí se extrai uma beleza da letra de sua
música. Mas o Belo se define em apenas mímesis? A Arte se trata de uma cópia da
natureza, do mundo externo, ou tem-se algo a mais?
Camargo (2013, p.
13) nos alerta que, para Nietzsche, “o real é concebido [...] como
multiplicidade, fractura, diferença que só a arte [estética] pode apreender
adequadamente”. Em sua teoria da estética, Nietzsche fala da Arte como
manifestação de duas pulsões: apolínea e dionisíaca (PEREIRA, 2011). A pulsão
pode ser entendida como estímulos psicológicos, que nos orientam para a ação; a
pulsão apolínea tem como características a razão, o raciocínio lógico e a
sobriedade. Já a pulsão dionisíaca é caracterizada como caos, emoções e
embriaguez. É possível correlacionar a pulsão dionisíaca com o conceito de
profanação em Agamben (2005 apud TRONCA, p. 4), que “significa um fazer
que desalinha a potência ordenadora quando a crítica encontra um poder que não
esconde a subjetividade, mas apresenta a supressão da norma como momento
possível da estrutura normativa ‘racional’”, ou seja, profanar é um modo de
subverter uma ordem posta, revelando algo de caótico. Sendo assim, a arte seria
“a identificação primária com a natureza feita pelo artista [...], é a
aproximação do homem da sua acepção mais pura” (LACOSTE, 1986 apud
PEREIRA, 2011, p. 21). Desta forma, Skylab traz em sua música Matador de
Passarinho o que há de trágico na experiência humana, falando da
diversidade de pássaros que ele encontra e “Que servem de tiro ao alvo/Para
espantar o tédio/E o vazio do existir”, e é com a instauração de uma
postura niilista para com a realidade que se encontra essa pulsão dionisíaca
que produz a diferença com a objetividade ordenada, encontrando-se aí o Belo,
“o homem diante de si mesmo” (DOREA JUNIOR, 200- apud PEREIRA, 2011, p.
21). Vai, assim, de encontro aos ideais de arte de pensadores como Sócrates e
Platão, que, segundo Favaretto, é um “desejo de fazer bem segundo as regras,
segundo o sistema [...] é o bom, virtuoso”.
Concluo que os conceitos de Belo e Arte são mutáveis,
dependem muito mais de experiências subjetivas do que de uma objetividade
pré-determinada, já que a beleza, conforme diz Pignattari, é sujeita a nosso
repertório e é compreendida de diferentes formas a depender do contexto
sócio-histórico. Logo, é possível pensar num Belo proveniente da obra musical
de Rogério Skylab.
Referências
CAMARGO,
M. H. O conceito como mímesis e a verdade da arte. Revista Travessias. Vol. 7, n. 2, 2013.
DIÁLOGOS
IMPERTINENTES: O Belo. TV PUC SP,
1996. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=bAeWI4xHpw4>
(acessado em 25/05/2019)
MARQUES, C. E. Vídeo-aula, 2019.
PEREIRA, L. História da Arte. Palhoça: UnisulVirtual, 2011.
TRONCA,
F. Z. O que é estética? Marc Jimenez. Resenha elaborada para a
disciplina de Subjetividade, Estética e Modernidade do Programa de
Pós-Graduação em História,: UFSC, s.d.
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