Como ensino filosofia # 19 - O jogo das perguntas



                     O jogo das perguntas



   Como descrevi no vídeo, o jogo das perguntas é uma dinâmica de grupo que reservo para os momentos em que estamos copiando a matéria no quadro. Ao longo dos anos esta dinâmica deixou de ser apenas um passatempo para se tornar parte integrante do meu ensino de filosofia. Isto por que ela favorece um tipo de aprendizado que passei a considerar com uma das coisas mais necessárias e urgentes para o ensino escolar: o desenvolvimento da inteligência emocional.

  O mais importante não é passar por várias perguntas, mas sim criar um ambiente onde a subjetividade possa aparecer de forma segura na sala de aula. Com as perguntas eu abordo temas pessoais ligados aos sentimentos, que raramente figuram como objeto de qualquer disciplina. Mas não se trata de questões que levem o aluno a expor sua vida pessoal em detalhes, e sim aspectos subjetivos mais internos relacionados ao modo como todos nós lidamos com nosso ser. Dessa forma o que vai se fortalecendo à medida em que cada um vai acrescentando sua resposta é uma consciência de grupo, um sentimento de que “estamos no mesmo barco”.

  A brincadeira não é garantida. Se de início os dois ou três primeiros a serem questionados responderem sem problema, a chance da dinâmica funcionar é maior. Mas quando os primeiros evitam responder ou se esquivam da questão com um “não sei”, há uma tendência de muitos outros assumirem um comportamento de manada. Algo que sempre ajuda diante da hesitação em responder é a minha inclusão no jogo. Uma pergunta um pouco difícil inicialmente é a seguinte: “conte uma vez que você passou vergonha”. No começo ninguém quer se expor, mas basta que eu conte uma história minha para que todos comecem a rir e conversar entre si lembrando de momentos cômicos da própria existência. Neste ponto já é possível encontrar um ou outro que estejam dispostos a compartilhar sua própria história.

  Às vezes espero que alguém me inclua no jogo com ar de desafio: “e o professor?” Respondo com sinceridade, de acordo com o que vier à minha cabeça no momento, o que reforça o laço entre os participantes. De um modo geral, insisto nas questões que propõe uma reflexão sobre si relacionada às emoções e o modo como lidamos com elas. Segue uma breve lista das que me recordo agora:

- O que te irrita em você mesmo?

- Você tem um sonho?

- O que é que você faz bem?

- Conte uma vez que você passou vergonha.

- Como é seu mundo interior?

- Qual o problema entre você e seus pais.

- Você já perdeu o controle?

- O que você odeia no mundo?

- Você pensa em sair de casa logo?

   Esta lista deveria ser bem maior. Infelizmente eu nunca me preocupei em documentar isso antes, de modo que muitas perguntas que surgiram de momento e funcionaram bem acabei me esquecendo. Daí outra dica importante: anote tudo que você inventa em sala de aula e dá certo. À medida em que as estratégias e truques vão aumentando, vai ficando mais difícil lembrar de tudo.

  Enfim, este jogo das perguntas é mais uma carta na manga para uma boa convivência diária em um momento que tende a ser de atrito entre professores e alunos: copiar a matéria no quadro. Reconheço que se trata de um paliativo para um modelo de educação escolar que pode e deve ser revisto, a saber: matéria no quadro → explicação → prova. Mas enquanto isso não ocorre, trata-se de uma boa ferramenta para mostrar a filosofia como proposta de autoconhecimento.

   Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)

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