Como ensino filosofia? # 23 - O Jogo da linha divisória

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  É sempre bom ter algumas brincadeiras ou dinâmicas na manga para entreter os alunos. Elas servem para os dias em que a maioria da sala não está (véspera de feriados, perto das férias, etc.), ou também como moeda de troca na negociação cotidiana. Quando os alunos me pedem muito para fazer algo diferente e eu tenho outra coisa importante, então lanço o desafio: “se nos concentrarmos e terminarmos o que estamos fazendo, podemos jogar um pouco depois”.
 
  O vídeo descreve esta dinâmica que chamei de “jogo da linha divisória”, algo bastante simples, mas que os alunos gostam bastante. Não tem segrego, o procedimento está explicado no vídeo. Mas algo que eu não disse ali é que é preciso do comando “volta”, depois de cada pergunta. Ou seja, após os alunos terem se posicionado para frente ou para trás conforme a resposta positiva ou negativa, é preciso retornar à linha de origem para a próxima pergunta. Então eu faço a pergunta, todos respondem se posicionando no lugar do sim ou do não e depois digo “volta”, e todos se alinham novamente. Talvez isso nem fosse necessário (os participantes poderiam simplesmente permanecer no lugar ou caminhar para o outro lado conforme a resposta da próxima questão), mas o novo alinhamento a cada pergunta coloca todos na expectativa e aumenta o nível de atenção às perguntas.

  É interessante como o simples fato de envolver a corporalidade na atividade já torna tudo mais divertido e diferente das atividades cotidianas na escola. As mesmas perguntas poderiam ser feitas em sala de aula, com todos sentados nas carteiras levantando as mãos e não teria graça nenhuma.
 
  E o que isso tem a ver com a filosofia? Penso que o exercício da atividade de se expressar é algo que estou sempre mirando em minhas aulas, de um jeito ou de outro. Neste caso, a expressão é o próprio posicionamento físico. Embora tudo seja uma brincadeira, muitas vezes, dependendo da pergunta este simples passo para frente representa para um adolescente mais tímido a atitude de se autoafirmar. E eu costumo justamente partir de perguntas simples em direção a assuntos mais delicados. Geralmente permaneço andando diante da fila de alunos e pensando no que vou perguntar. As perguntas acabam ganhando um tom leve de desafio.
 
  Interessante também que sempre há alunos mais tímidos que as vezes não querem participar. Eu nunca os forço, apenas deixo-os olhando. Geralmente, dentro de três ou quatro perguntas e da descontração da turma eles acabam mudando de ideia e integrando a fila também.
 
  Sempre fiz as perguntas de forma muito intuitiva, conforme o momento; nunca fiz muita questão de anotar isso. Percebo agora que isso foi um erro, pois tentando lembrar das questões, vejo que já não me ocorrem muitas perguntas boas de se fazer. Mas segue a lista de algumas delas:

Família
- Você tem irmãos? 
-Quem tem pais separados? 
- Já perdeu algum dos pais? 
- Quem tem sérios problemas com um irmão ou irmã? 
- Já pensou em fugir de casa? 
-Tem algum parente que está preso? 
-Tem alguém que está muito doente na família? -Quem mora com os avós? 
(e assim vai…)
 
Amizades
-Quem aqui já se desiludiu com uma amizade? -Quem tem amigos desde a infância? 
- Você já disse algumas coisas a um amigo e depois de arrependeu? 
-Quem já perdeu um amigo (morte)? 
-Quem já parou de falar com um amigo e sente falta? 
- Quem tem mais ex-amigos do que amigos?

Namoro
- Quem está namorando no momento?
-Tem alguém casado? (acreditem, aqui na minha região muitas meninas acabam casando bem cedo!)
- Quem já levou chifre?
- Quem já colocou chifre em alguém?
- Quem está ficando com mais de uma pessoa?

* Estas perguntas tendem a ir sempre para o lado mais engraçado, se esquivando um pouco do tema do sexo, embora um ou outro aluno sempre acabe fazendo alguma alusão. Não se trata de manter a questão como um tabu, mas é preciso respeitar a privacidade de todos e, ao mesmo tempo, não deixar que a conversa siga por uma direção que possa resultar imprópria para a escola. Lembrando que as perguntas são adaptáveis conforme a idade dos alunos e maturidade do coletivo.
 
  Outros temas também podem ser abordados, mas agora não me ocorre listar as questões, como:
 
Trabalho 
Sentimentos
Drogas

Quanto a este último, também é preciso tratar com cuidado, de modo a evitar que a brincadeira acabe se tornando uma espécie de apologia, colocando em evidência aqueles que já experimentaram isso ou aquilo. Evito este tema, mas já o utilizei em salas do ensino médio noturno na ocasião de um trabalho específico sobre drogas. Aí tivemos um bom resultado.
 
  Enfim, a quem possa interessar, esta é uma brincadeira muito legal para fazer em uma ou outra aula de filosofia. Sair da sala um pouco, envolver o corpo na atividade também é aprender.

Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)

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