Como ensino filosofia? # 20 - Sobre ser legal



  
  Uma sala de aula, como qualquer reunião social, consiste em um jogo de forças; de energias. Alguns professores têm sucesso em submeter todas as demais forças da sala à sua própria; por bem ou por mal. Este método, onde se opõe uma força às demais funcionou muito no passado e até pode continuar funcionando, mas sob a pena de que, a todo início de ano, o professor encontre pela frente o desafio de submeter cada classe à sua influência, seja da maneira que for. Alguns o fazem pela ostentação de uma sombria fama autoritária; outros de forma mais leve. Mas será este o único jeito?

  Das minhas aproximações com a sabedoria milenar do Yoga, aprendo que o meio de superar forças que às vezes nos excedem é não se opor frontalmente a elas; mas deixar que encontrem seu fluxo. Mestre Hermógenes, em Yoga para nervosos (s/d) dá um fantástico exemplo: o do nadador experiente, que ao se ver em meio a uma forte corrente, não tenta nadar contra ela, mas se deixa levar fazendo uma volta mais longa; porém chegando à terra firme em segurança. Também da sabedoria do Yoga aprendo que a harmonia é o caminho para que, em qualquer contexto, não haja um desequilíbrio insustentável de forças.

  Ora, e o que isso tudo tem a ver com educação? Penso que há sim, outro meio de levar as coisas em sala de aula e no relacionamento com os alunos. O caminho é o da empatia; o do sentimento de partilha entre os sujeitos do grupo, onde as forças não precisam se opor, senão que podem coexistir. Mas antes que isso se torne um palavrório sobre respeito mútuo, sobre acreditar no educando, etc, etc., cabe dizer: sim, a minha tentativa é a de “ganhar” a sala sendo “legal”. Entretanto, o fato é que na se trata de “tentar ser legal” com os alunos. Trata-se de, antes de mais nada, ser realmente quem se é com os alunos, e é claro, que este “ser” seja, de algum modo “legal”. Bom, sem dúvida o fato de eu gostar se surf, música e outras atividades talvez não tão convencionais ajuda muito. Mas não penso que seja o mais importante.

  “Legal” não poder ser simplesmente deixar que o aluno tenha o que queira, ou melhor, o que acha que quer: nenhuma aula, nenhuma matéria; nenhuma cobrança. A meu ver “legal” é aquele que tenta levar adiante seu trabalho de educador, sem esquecer o quanto a escola que temos pode ser chata e mesmo opressiva para o educando. Legal é o sincero, respeitoso, transparente e aberto, mesmo quando suas intenções encontram-se contrárias às dos alunos. Tal atitude encontra-se tão em falta no dia a dia da sala de aula que bastam para já chamar a atenção dos alunos como uma conduta diferente.

  Enfim, é preciso ser uma pessoa melhor, alguém que mostra que está querendo fazer algo e que tem algum prazer nisso. Alguém que usa com inteligência a sua autoridade para NEGOCIAR um ambiente aceitável entre a necessidade de alguma ordem para trabalhar e a absolutamente necessária tendência do jovem a se expressar, a conversar, a rir e a precisar de um pouco de desordem. Sim, para isso, é preciso realmente entender um pouco de gente e, mais ainda, de gente jovem. Mas muito mais do que isso, é preciso estar aberto. É preciso se esforçar para desenvolver no ambiente interno da sala de aula, o sentimento de que “estamos no mesmo barco”.

  Mas voltando ao contexto do conjunto numa sala de aula, me parece que outro meio de manter a ordem é fazer com que a maioria da turma concorde com você. Enfim, quando se consegue “ganhar” um número considerável de alunos em uma sala, fica mais fácil conseguir uma autoregulação da ordem, tendo parte dos alunos intervindo a seu favor nos momentos em que é preciso dar uma segurada nos ânimos. Mas isso só funciona se o que você tem a dizer for interessante a pelo menos alguns. Poucos alunos vão se arriscar a indispor com seus colegas somente por admiração ao mestre! Mas quando a curiosidade se encontra em jogo, aí estamos mexendo com um fator humano poderoso.

  Todavia, não se trata então de tentar ser legal para ganhar alguns aliados na hora de chamar a atenção dos demais; de ter alunos “preferidos” a fazer o trabalho sujo para você. Esta é uma atitude dissimulada onde o professor só quer ser legal com os alunos para facilitar a sua vida; para se incomodar menos no seu cotidiano como professor. O problema é que...isso não é legal! Alunos são pessoas; jovens são espertos, mais rápidos e muito menos ponderados do que os mais velhos. Com uma convivência de algumas semanas, qualquer um poderá perceber a duplicidade de suas intenções. Só resta então, ser realmente uma pessoa legal. Isto não significa abrir mão de sua autoridade e deixar que sua aula se transforme num pandemônio. Significa fazer o constante esforço de tentar ser sincero, de prometer e cumprir, de negar e se justificar, de fornecer critérios, de dar opções, de ser solidário....e por aí vai.

HERMÓGENES, J. Yoga para nervosos. Rio de Janeiro: Record, s.d.

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