Como ensino filosofia? # 39 - Aula sem matéria - 2o ano


  A experiência de um bimestre de aula sem matéria para o segundo ano exigiu mais fôlego, uma vez que se trata do dobro da carga horária (2 aulas por semana) em relação ao primeiro ano. Mas esse tempo extra também permite voos um pouco mais altos nas atividades propostas.

  Mantendo o ideal de “treinamento escolar”, ou seja, ver no ensino de filosofia a possibilidade de dar contribuições concretas à prática de estudar, decidi encarar de frente um problema recorrente em alunos do ensino médio: a vaga noção das fases da História. Conforme expliquei no vídeo, uma atividade inicial de confecção de um cartaz com uma linha do tempo ocupou a turma toda por três ou quatro encontros. O restante do bimestre segue com atividades mais curtas e termina com um filme. Nenhuma matéria no quadro, mas bastante coisa para se fazer em cada aula. A ideia central foi a de consolidar o entendimento das fases principais da história, em conexão com as fases do pensamento filosófico.

  O problema de propor atividades mais longas para uma turma de ensino médio é o risco de se perder no caminho, principalmente pela dificuldade de envolver todos no trabalho ao mesmo tempo. É muito comum em atividades assim que alguns alunos assumam o protagonismo e muitos outros não se envolvam. Assim, foi importante ir encontrando formas de envolver a todos, mesmo que não ao mesmo tempo. E neste sentido a atividade do cartaz surgiu como algo apoiado em duas bases:

1 – o cartaz deveria ter um pouco da mão de cada um dos alunos. 
 
2 – o cartaz era um instrumento de uso; algo ao qual eu iria recorrer em muitas de minhas aulas

  Na primeira experiência, em 2017, as coisas saíram no improviso. Mas já em 2018 em tinha alguns passos bem definidos para encaminhar a atividade, que passo a descrever aqui:


Atividade de construção de uma linha do tempo filosófica

1 - explicar aos alunos de maneira bem simples e direta a atividade e seus propósitos (construção de um cartaz com uma linha do tempo onde será demarcada as fases da história e algumas características importantes para nosso estudo de filosofia.)

2 – Com a ajuda de um esquema no quadro, construir um esboço da linha do tempo. Através de perguntas aos alunos ir delimitando quatro fases da história (pré-história, antiguidade, Idade média, modernidade) e atribuindo um ícone a cada uma delas. Ex: Uma caverna com alguns homenzinhos na frente do fogo (pré-história); Pirâmides (antiguidade); uma Igreja (Idade Média); Uma caravela/ máquina a vapor/ luneta (ícones que possam sugerir a modernidade).
*Para esta atividade o cartaz vai só até modernidade.

3 – Separar a sala em quatro grupos, uma para cada fase da história. Abrir espaço na sala e montar uma mesa grande no centro para que vários alunos possam trabalhar ao mesmo tempo na confecção do cartaz. Escolher coletivamente um título para o cartaz (cada turma deve escolher seu próprio título) *Usar folha de papel pardo em rolo. O cartaz deve ser comprido no sentido horizontal (1,5m ou mais).

4 – Fazer com que os alunos comecem a trabalhar coletivamente no cartaz. Atividades iniciais: escrever o título em letras grandes/traçar a linha reta no meio do cartaz/ encontrar revistas ou livros didáticos inutilizados para cortar figuras/ elaborar um esboço por grupo, referente a cada momento da linha do tempo. *Este é o passo mais crítico. É difícil encontrar os primeiros voluntários. É preciso sair fazendo as coisas e ir, com alguma insistência, ocupando os alunos em diversas atividades. Mas depois que uma parte da classe esteja ocupada, os demais devagar vão se aproximando.

5 – A criação do conteúdo de cada fase da história deve ser dos alunos, mas é preciso ir a todo momento ajudando e dando sugestões. Como nem sempre há espaço para que todos se debrucem no cartaz ao mesmo tempo, o ideal é estimular cada grupo a pensar em um esboço e, a partir dele, buscar figuras e começar a desenhar. Há trabalho também no sentido de pesquisar na internet com os celulares, buscando por imagens ou informações.

6 – Se esforçar por ocupar aqueles que estão parados. As vezes, um pequeno desenho feito individualmente pode vir a ser colado no no cartaz completando os demais elementos. Basta que cada aluno tenha no mínimo uma pequena participação, seja desenhando, fazendo letras, pintando, cortando, colando ou pesquisando informações.

7 – Terminado o cartaz, deve-se fixá-lo em alguma parede da sala para que seja usado como ferramenta nas próximas aulas e ao longo do ano.

Segue a foto de um dos cartazes feito em 2018:

   Enquanto escrevia estas linhas me lembrei de ter feito um registro em vídeo diretamente da sala de aula em 2018. Infelizmente o áudio ficou muito ruim, mas prestando atenção é possível entender a mensagem, além de sentir o verdadeiro barulho de uma sala de aula na íntegra! A quem possa interessar:
 
 
  Conforme descrevi no vídeo dessa postagem, uma segunda atividade, com a música Saiba, de Arnaldo Antunes passa a utilizar o cartaz, além de retomar o tema da filosofia na antiguidade (que foi objeto de estudo no ano anterior). Anotando o nome das personagens no quadro e fazendo uma brincadeira com os alunos vamos descobrindo aos poucos figuras históricas e tentando situá-las na linha do tempo. Em uma próxima aula, me concentro então apenas nos filósofos que aparecem na letra da mesma música e aí temos assunto para uma boa aula sobre o pensamento na antiguidade, sobre a distinção entre pensamento ocidental e oriental e outras coisas mais.

  Novamente, nada é passado no quadro como “matéria”, mas os alunos são constantemente estimulados a fazerem algum registro de algo que aprenderam, ou que lhes chamou atenção em cada uma das aulas. O grande motivador, infelizmente, é a nota a ser dada no caderno ao final do bimestre. Não é meu argumento preferido, mas funciona… A atividade com a música também encaminha uma produção textual (“o que eu sei sobre a vida”) que segue na linha de educação emocional (#34).

  As atividades a seguir envolvem uma aula expositiva com o conteúdo que deveríamos estar copiando no quadro. Este é um momento interessante onde projeto a “matéria” e dou uma aula expositiva bastante livre. Os alunos tendem a valorizar nossa proposta de aula sem matéria ao perceberem que aquilo que deveriam estar copiando, pode ser bem explicado em muito menos tempo, desde que realmente me concedam sua atenção.

  Por fim adentramos à temática da Idade Média, onde a construção de um quadro com algumas características culturais e sociais do Medievo e uma aula expositiva sobre Agostinho de Hipona, sua conversão ao cristianismo (#11) e o tema do livre arbítrio encaminham o momento final do bimestre. Este esforço culmina com a exibição do filme O nome da rosa. Dessa forma estamos prontos para entrar no segundo bimestre com o nascimento da filosofia moderna, dispondo de uma noção bem mais ampliada do desenvolvimento histórico e do pensamento ocidental.

  E é isso! Segue o link para o acesso a esta programação do primeiro bimestre sem matéria para segundo ano do ensino médio:

https://drive.google.com/file/d/1orglr23dRRFBZOznhyTQsc7nvhphZ01b/view?usp=sharing

Acompanhe o projeto "Como ensino filosofia?". Toda quinta um novo conteúdo :)




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