Eis ouro texto que escrevi faz um tempo, quando dava aulas no curso de Pedagogia da Univali -Universidade do Vale de Santa Catarina
UM EXERCÍCIO: SUAS
POSSSIBILIDADES E OS PROBLEMAS ENCONTRADOS
Carlos Euclides Marques
Ao
começar a correção do exercício proposto na última aula (31.08.2000), logo
percebi alguns equívocos... Assim sendo, resolvi apresentar, por escrito, uma
possibilidade de execução do mesmo, tomando apenas as primeiras partes: epígrafe e introdução. Optei por uma mescla de comentário e explicação,
pois, ao propor o exercício, disse que vocês poderiam falar a partir do texto, dando suas primeiras impressões.
Primeiramente, todo bom texto — particularmente, o
acadêmico — gerado tendo outro como suporte, deve dizer isto para seus
leitores. Desta forma, podemos começar do seguinte modo:
·
Esta atividade procura mostrar nossas
reflexões geradas pela leitura do capítulo 5 — Educação e pedagogia —, do livro Filosofia da educação, de
Maria Lúcia de Arruda Aranha, particularmente a parte de Introdução.
Com este procedimento introdutório, situamos o
leitor, pois ele precisa ter a possibilidade de confirmar — e refazer — nossas
interpretações do texto.
Depois,
devemos deixar claro como vamos abordar o texto: resumo, resenha, explicação, comentário, pré-texto...
Cada uma destas estratégias têm sua forma própria de ser. Com isto, o leitor
cria determinadas expectativas em relação a seu texto. Respeitando o que foi
dito, posso continuar dizendo:
·
O texto será abordado explicando o sentido de cada parte do
próprio estrato textual, com alguns
comentários, seguindo, geralmente, a ordem dos parágrafos.
Por que esta indicação? Ora, poderia
apresentar o texto a partir de outra estratégia, ou estabelecer uma outra ordem
— falar primeiro da idéia central,
configurando, posteriormente, a relação desta
com as várias partes do texto; começar falando do contexto de produção do texto, das vertentes teóricas que
influenciam a autora, percebendo como estes elementos aparecem no texto (leitura historicista) etc. —. Tudo isto
deve vir na nossa introdução, para
que o leitor fique atento as intenções,
quanto ao texto, de quem escreveu. Não queremos um leitor perdido, certo?
Os
bons manuais de metodologia científica,
geralmente, trazem recomendações sobre diferentes tipos de abordagens quanto a
um texto. Procurem ler manuais de redação. Há vários no mercado e a biblioteca
da UNIVALI dispõe de alguns. Cabe ao estudante ter a iniciativa de procurá-los
e consultá-lo freqüentemente.
Então,
vamos ao exercício. Começando pela epígrafe.
É sempre bom perguntar: qual a função de uma epígrafe? São pequenos excertos —
fragmentos — de textos que já lemos, trazendo uma idéia geradora — para pensar
—, relacionada, de alguma forma, com o que vamos ler ou escrever. Neste caso, a
epígrafe liga-se a idéia de que a educação
é um trabalho constante e, muitas vezes, difícil, mas também um belo caminho, uma bela conquista. Vou
transcrevê-la, em partes e analisá-las.
“Sempre
é difícil nascer”. O que significa isto? Ora, para as mulheres esta analogia é
mais fácil de ser percebida. O parto é acompanhado de dor, ou seja, um
sofrimento, uma dificuldade. Pelo menos, é o que diz a maioria das mulheres que
já pariram; embora, alguns estudos digam que há nisto — sentir dor — fatores
culturais, que em algumas sociedades não é bem assim. Mas, vamos ficar com as
características de nossa sociedade... Apesar de ser um sofrimento, é seguido, geralmente, de grande felicidade. E qual mãe
— que gestou prazerosamente sua cria ao longo de nove meses, com todos os
incômodos naturais deste estado de graça
— não olha o nascituro, dizendo: “que lindinho!”. Isto condiz com a epígrafe,
que procura mostrar como, muitas vezes, “o olhar para trás” é sentir-se
satisfeito em relação à conquista. Comparo esta epígrafe a máxima encontrada na
República,
de Platão: “O começo é a metade de tudo”. Dar os primeiros passos é complicado
— analogicamente, não aprendemos a andar repentinamente —, mas depois que
andamos e aprimorarmos esta habilidade esquecemos das dificuldades que tivemos
neste processo de aprendizagem, e nos regozijamos — ficamos felizes — com
nossas caminhadas. Esta é a alegoria do processo educativo. É isto que diz o
restante da epígrafe.
A ave tem que sofrer para sair do ovo. Mas volte o
olhar para trás e pergunte a si mesmo se foi de fato tão penoso o caminho.
Difícil apenas? Não terá sido belo também?
Sabemos
que a epígrafe é de Hermann Hesse, pois o nome do autor encontra-se entre
parênteses no final desta. Quem foi Hesse? Um romancista alemão (1877-1962).
Para saber mais sobre ele deveremos, a princípio, recorrer a uma enciclopédia.
Contudo, para nosso exercício, saber que é um romancista basta.
O
primeiro parágrafo da Introdução
começa remetendo a uma informação dada anteriormente, no mesmo livro.
Percebemos isto pela passagem: “Vimos no Capítulo 1...”. para ser mais
detalhista deveríamos ler o referido capítulo. Contudo, como queremos ficar
apenas com o estrato da Introdução —
e, também, porque o primeiro capítulo não foi apresentado para vocês —, basta
dizer que isto é uma marca de intratextualidade,
ou seja, um diálogo interno entre os capítulos do livro. Percebemos, na
seqüência, que a autora (Aranha) sintetiza o que já foi dito, a saber, “que o
homem faz cultura por meio de seu trabalho, com o qual transforma a natureza e
a si mesmo”. Neste trecho, dois conceitos são importantes, estando
correlacionados: cultura e trabalho. Assim, cabe perguntar: o que é
cultura; o que é trabalho; donde vem o preenchimento – significado — dado por
Aranha, ou seja, qual a vertente teórica que fundamenta as definições,
utilizadas pela autora, de cultura e
de trabalho? Vamos por parte.
Primeiro, a cultura é o resultado e o
processo das transformações produzidas pelo ser humano, através do trabalho (meio), na natureza e em si
mesmo. Como? Ora, sabemos que ao se ver em uma dificuldade produzida pelo meio
em que vive — num primeiro momento, a natureza, as intempéries climáticas, por
exemplo; depois, a própria relação do homem com outros homens: a sociedade —, o
ser humano modifica o ambiente para que esse adapte-se a ele. Desta forma,
mudando o espaço e sua própria relação com esse espaço. Transformando a
natureza gera sua própria transformação. O trabalho
é ação exercida, o meio — ou conjunto de meios — pelo qual o homem
transforma a natureza e suas relações em grupo (sociedade). O conceito de trabalho está inserido no de cultura. Do trabalho resulta a cultura. Assim, a cultura
pode ser definida como o conjunto da características que diferencia um dado
grupo de outro. Isto configura-se pelas relações entre os membros do grupo
— parentesco, hierarquia, divisão do
trabalho etc. — e destes com o meio em que vivem. Novas formas de trabalho produzem novas culturas. Este é o ponto de vista
marxista. É conhecida a máxima de Marx/Engels, da Ideologia alemã: “o homem
é produto e produtor de sua história”. Assim, cada modo de produção — outro conceito chave do marxismo — abarca dadas relações de trabalho, que produzem
determinadas formas de ver o mundo,
ou seja, diferentes culturas.
A
idéia seguinte, voltando ao texto de Aranha, acrescenta que “... o aperfeiçoamento
dessas atividades só é possível mediante a educação...”. Isto indica, pelo
menos, duas diferenças entre o ser humano e os outros animais: só ele produz cultura, só ele a mantém através da educação. Por que isto? Ora, quando
descobrimos uma forma mais eficaz de fazer algo, isto é um aperfeiçoamento,
procuramos passar para outros, de forma que as relações de trabalho — num nível mais simples da análise — sejam
aprimoradas ou complexificadas — uma divisão de tarefas mais detalhada, por
exemplo —., facilitando ou acelerando o trabalho.
Isto só é possível pela educação.
Notamos que outros animais não têm — pelo menos, de forma constante — esta
atitude. Não há transmissão, por parte de outros animais, de um
“aperfeiçoamento” individual e momentâneo. Podemos dizer, então, que, diferente
dos outros animais, o homem humaniza-se e
socializa-se na relação com outros
seres humanos, adquirindo e transformando o legado
cultural.
No
parágrafo seguinte, a autora indica algumas diferenças entre as sociedades primitivas e as complexas quanto à educação. Dizendo que “... nas sociedades primitivas a educação se
acha difusa...”, ou seja, diluída no grupo, sem que haja instituições próprias
para esta atividade. Desta forma, “... todos educam a todos.”. Já nas sociedades complexas “... surgem
organizações especificamente encarregadas da transmissão da herança cultural.”
Contudo, salienta Aranha, isto se dá de forma diferenciada em cada sociedade. O
final do parágrafo ressalta, também, que um tipo de educação não anula o outro, mesmo porque “... a educação informal
(...) permeia o tempo todo as relações entre os homens.” Ou seja, mesmo em
nossos dias — onde a escola tem um papel específico na transmissão de
informações (legado cultural) —
outros setores — família, Igreja, mídia, amigos etc. — podem repassar estas
informações.
No
terceiro parágrafo, a autora procura desfazer um possível entendimento rasteiro
do que foi dito no parágrafo anterior. Desta forma, utiliza-se de uma conjunção adversativa — “porém” — para
dar esta idéia. O entendimento rasteiro seria: “... entender a educação como
simples transmissão da herança dos
antepassados...” Ou seja, ela quer indicar que
educação é muito mais que
isto, é, também, “... a gestação do novo e a ruptura com o velho.” Sem isto, as sociedades não mudariam.
Entretanto, Aranha deixa claro que estas mudanças ocorrem de forma variável,
dependendo de como se apresentam as sociedades: estáveis ou dinâmicas. Na
seqüência, são apresentados dois exemplos de sociedades mais resistentes à mudanças — as denominadas estáveis — , a saber, as comunidades
primitivas e “... as antigas civilizações do Egito e do Oriente.”; cada qual,
apresentam razões mais ou menos diferentes: o caráter sobrenatural e o tradicionalismo,
respectivamente. Isto quer dizer que as sociedades mais antigas demoram mais
tempo para absorver transformações culturas significativas. Porém, não podemos
concluir disto que não possamos encontrar no seio destas sociedades mudanças em
curso.
No
quarto parágrafo, a autora estabelece diferenças conceituais entre: educação, ensino e doutrinação.
O primeiro conceito tem um caráter mais abrangente, “... supõe o processo de
desenvolvimento integral do homem, quer seja da sua capacidade física,
intelectual e moral, visando não só a formação de habilidades, mas também do
caráter e personalidade social.” O segundo conceito “...se refere à transmissão
de conhecimento acumulado...”, ou seja, liga-se ao que foi dito nos parágrafos
anteriores quanto à transmissão do
legado. Contudo, no quinto parágrafo — adiantando uma idéia próxima — a
autora indica uma imbricação entre estes dois conceitos: educação e ensino. O
terceiro conceito, a doutrinação, é
tratado como pseudo-educação, ou
seja, “... que não respeita a liberdade do educando, impondo-lhe conhecimentos e valores. “ Indicando que a autora segue o
que dizem os teóricos marxista e libertários, como Paulo Freire, a saber, que a
educação é libertação. Aranha atribui
— exemplificando — a pratica da doutrinação
aos governos totalitários, que, com isto, “... querem submeter todos a uma só
maneira de pensar e agir, destruindo o pensamento divergente.”
O
quinto parágrafo complementa o anterior, particularmente, na relação de
imbricação entre educação e ensino, como já apresentamos. Isto fica
claro na questão lançada por Aranha:
“... como se poderia formar alguém sem informá-lo a propósito do mundo
em que vive? “. Ou seja, a educação,
como processo de formação de um sujeito, depende da informação: transmissão do já
constituído — o legado.
Poderíamos dizer que, sem o velho — o
legado — não surge o novo — a ruptura, a liberdade —. É
isto, de certa forma, que significa dizer: “É a partir da consciência da sua
própria experiência da humanidade que o homem tem condições de se formar como
um ser moral e político.”
O
último parágrafo da primeira parte é, também, um complemento aos anteriores.
Isto fica claro pela expressão que conecta este parágrafo ao anterior, a saber,
“Da mesma maneira...” Assim, o que se diz é que a informação também gera mudanças na visão de mundo, mesmo que não tenha intenção de formar opinião, ou educar.
Concluindo-se que não há neutralidade na
educação. “E com freqüência a
informação pretensamente neutra mascara um conteúdo ideológico.” Por isto,
devemos atentar para certos discursos que se dizem neutros, mas podem estar servindo como doutrinação. A ideologia
tem, em uma de suas acepções, este caráter doutrinário.
Poderíamos
suscitar outras questões, geradas pelo texto. Contudo, privilegiamos o estrato do próprio texto, mais explicando do que comentando.
Na medida em que o exercício solicitava suas
primeiras impressões do texto, outras redações são possíveis. Procurei
fazer o exercício de uma certa forma, muito mais para mostrar como devemos
tratar um texto base — a partir que uma certa estratégia de leitura — sem esquecer de reverenciá-lo — muito mais
no sentido de fazer referência a, do
que de reverenciar, curvar-se a; embora, numa leitura mais dogmática (outra estratégia de leitura,
que encontra-se na que fiz) tenhamos que nos curvar a ordem argumentativa do texto —. Por que esta observação? Simples,
meus caros estudantes, das redações lidas, a maioria não indicava de onde foram
geradas; quando não, encontrei passagens literais, ou seja, transcrições do
texto com pequenas ou nenhuma alterações, que não retiram de sua redação o ônus
da cópia sem indicação. Qualquer livro de metodologia
científica tem um tópico sobre formas
de citação, o próprio programa da
disciplina de Filosofia da Educação dispõe de recomendações quanto a isto, como também já comentei, em sala, como
fazer. O fato do texto ser escrito para
avaliação do professor — resultando em aferição de nota ou não —, em nenhum
momento, justifica:
·
a escrita telegráfica, ou seja, com
lacunas — que o professor da disciplina, até, pode preencher, mas um leitor
comum não, impossibilitando seu (do leitor comum) entendimento do texto;
·
a falta de uma introdução, que diga qual o procedimento tomado e o que gerou nosso
texto;
·
o não uso de aspas ou indicativos de citação indireta— segundo fulano, conforme o autor, com indica o texto etc. —;
·
o uso de uma estratégia mais próxima do
fichamento, quando solicitou-se opiniões, análises e/ou comentários do
texto.
Evidentemente,
como estudantes da primeira fase, vocês não estão habituados a certos procedimentos metodológicos, o que me levou,
também, a escrever este texto. Entretanto, pelas reuniões com os professores e
a leitura dos programas de outras disciplinas, particularmente Português e
Metodologia Científica, percebo que estão centrados no desenvolvimento de habilidades de leitura e de escrita no contexto
acadêmico. A partir do momento que a disciplina ministrada por mim não está
isolada, acerca da detecção e respectiva orientação quanto aos problemas
referentes à leitura e à escrita, não posso ser condescendente
quanto a isto. Em face destes problemas,
tenho procurado montar as aulas a partir de estratégias
de leitura, em detrimento do conteúdo programático. Vejo que, sem o
desenvolvimento mínimo destas habilidades — leitura
e escrita — a reflexão filosófica
— no dizer de Saviani, apurado no capitulo 4, de Aranha, e já trabalhado na
disciplina: “radical, rigorosa e de conjunto” — fica prejudicada. Contudo,
não posso transformar a disciplina de Filosofia da Educação num mero
prolongamento das disciplinas de Português e Metodologia Científica. Não estou,
aqui, menosprezando estas disciplinas. Muito pelo contrário, por diversas vezes
disse que sem elas o caminho na busca do
saber acadêmico fica prejudicado — isto aparece nos programas das
disciplinas que ministro —. Certamente, podemos dizer que estas disciplinas —
Português e Metodologia Científica — são pré-requisitos das outras disciplinas.
Para
finalizar, quero deixar claro que as habilidades de leitura e escrita não são
desenvolvidas de uma hora para outra, a elas estão ligadas outras habilidades
tão esquecidas do mundo do tudo ao mesmo
tempo agora — lembrando Titãs —; no mundo
do deveria ter feito isto ontem, agora não há mais tempo; no mundo das aparências, das efemeridades; enfim, habilidades esquecidas e impossíveis de serem
desenvolvidas na pressa do dia-a-dia,
são elas: paciência, disciplina, persistência e, no dizer de Nietzsche, ruminância... Leitura e escrita devem considerar o tempo
necessário para por ou ver a ordem das
coisas. Escrever e ler é construir um cosmos — palavra que, em grego, significa, ao mesmo tempo, o ordenado e o ornado —. Assim, não podemos fazê-los arbitrariamente.
Referência bibliográfica:
ARANHA, Ma.
Lúcia de Arruda. História da educação. 2.
ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1996.
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