Freire e as novas feições da Hegemonia cultural

As contribuições de Paulo Freire não só à pedagogia, mas ao Ser do educador serão sempre de grande valor. "Ensinar exige estética e ética"; "Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo"(Pedagogia da Autonomia). Estes e muitos outros são ensinamentos preciosos e atemporais.

Mas é preciso levar em conta o contexto histórico no qual Freire escreveu seus livros e concebeu seu pensamento, justamente para compreender nosso próprio contexto e adaptar o que for preciso.  Penso que justamente esta recontextualização do pensamento freireano em relação ao momento atual é um grande campo de pesquisa em filosofia da educação. Em 2015 gravei algumas anotações em vídeo sobre isso:
 

E seguem aqui mais alguns comentários sobre o conteúdo do vídeo:

Diferente da época de Freire, não há mais a preocupação em "esconder" uma educação crítica das classes menos favorecidas. Isso não é mais perigoso. Naquele momento de abertura democrática do Brasil (antes do golpe... o de 64!), o caráter reprodutivista do ensino tradicional foi interpretado por Freire e outros teóricos da vertente histórico-social como parte do estratagema da hegemonia burguesa para manter-se no poder. Trata-se da conhecida tese de Marx, aprofundada por pensadores como Althusser, da Escola como aparelho ideológico do Estado.

Hoje, contudo, os tempos são outros!

O flagrante avanço cenário de alienação contemporâneo onde tudo está misturado em tudo, num verdadeiro liquidificador de informação e contrainformação, permite a não repressão de iniciativas transformadoras baseado na confiança na inércia estrutural do sistema.


Em outras palavras, é permitido dizer e escrever muitas coisas (por enquanto🙊). Inclusive em termos teóricos de políticas públicas, como as propostas curriculares estaduais, é possível encontrar posições bastante críticas e questionadoras do status quo. Mas as autoridades já aprenderam a contar com o imobilismo da burocracia e com a mentalidade mediana pós-moderna, para o qual as grandes causas já não têm tanta significação.

E isso tem muito a ver com a complexificação, também, da divisão de classes que, a meu ver, deixa de ser dual para ser mulltifacetada. Conforme tentei expressar no vídeo (link acima), parece fazer sentido a ideia de duas hierarquias sociais distintas, mas entrelaçadas; a ascendente e a descendente.   Haveriam, pois, não mais burgueses e proletários, mas infindáveis classes produtoras, todas lutando: ou para ter mais, subir (hierarquia ascendente) ou para defender o mínimo, não perecer (hierarquia descendente).



E, nesse contexto, todos nos esbarramos, todos somos, a um só tempo, opressores e oprimidos! Sobretudo enquanto consumidores, independentes de ideologias e credos,  estamos todos contribuindo diariamente para manter a grande roda girando!

Como sair dessa? Sinceramente não me parece que a educação escolar esteja em condições de se colocar esse desafio de forma direta. Aí já estamos falando em projetos de vida, não apenas em atuação profissional. É preciso de novos seres humanos, em processo de cura e renascimento.

Mas na medida em que profissionais da educação engajados em uma profunda transformação interior (eu diria onto-epistemológico-afetiva-espiritual) em suas próprias vidas passem a atuar na escola pública e compartilhar seus projetos de vida, aí talvez nos aproximemos de uma interessante reedição do conceito de Intelectual orgânico proposto por Antonio Gramsci.  












E o "orgânico" assume novos significados também! Agora em conexão direta com a questão socioambiental; como algo que se contrapõe ao convencional envenenado e à inovação artificial (transgênico).





Comentários

  1. Entendo que os tempos de Freire eram outros e que há espectos aquilo que ele pensou que devemos revisar. Isto é dialético. Vivemos em tempos de outras formas - mais sofisticadas ou não - de dominação. Vejo mesmo siau nos jornais a notícias de que temas como "identidade de gênero" e "orientação sexual" foram retirados da base curricular; outras notícias dão conta de perseguições por parte do defensores da tal "Escola sem partido"... Como podemos fazer conquistas recentes avançaram com este tipos de ações?
    Vou publicar alguns ensaios com base em leituras de filmes feitos por alguns estudantes da UA "Reflexões sobre o Homem na Filosofia".
    Avante filosofante.
    CEM

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